sábado, 28 de março de 2009

Reflexões sobre a Via Crucis (I)

Passa das dez da manhã. O processo está chegando ao fim. Não houve provas concludentes. O juiz sabe que os seus inimigos O entregaram por inveja, e tenta um expediente absurdo: a escolha entre Barrabás, um malfeitor acusado de roubo com homicídio, e Jesus, que se diz o Cristo. O povo escolhe Barrabás. Pilatos exclama:

— Que hei de fazer, pois, de Jesus?

Respondem todos: — Crucifica-o!
O juiz insiste: — Mas que mal fez ele?
E de novo respondem, aos gritos: — Crucifica-o! Crucifica-o!

Assusta-se Pilatos ante o tumulto crescente. Manda trazer água e lava as mãos à vista do povo, enquanto diz:

Sou inocente do sangue deste justo; é lá convosco...

E depois de ter mandado açoitar Jesus, entrega-O para que O crucifiquem. Faz-se silêncio naquelas gargantas embravecidas e possessas. Como se Deus já estivesse derrotado.

Jesus está só. Vão longe os dias em que a palavra do Homem-Deus punha luz e esperança nos corações, as longas procissões de doentes que eram curados, os clamores triunfais de Jerusalém à chegada do Senhor, montado num manso jumentinho. Se os homens tivessem querido dar outro curso ao amor de Deus! Se você e eu tivéssemos conhecido o dia do Senhor!

Jesus ora no horto: Abba, Pai! Deus é meu Pai, ainda que me envie sofrimento. Ama-me com ternura, mesmo que me fira. Jesus sofre, para cumprir a Vontade do Pai... E eu, que quero também cumprir a Santíssima Vontade de Deus, seguindo os passos do Mestre, poderei queixar-me se encontro por companheiro de caminho o sofrimento? Será esse um sinal certo da minha filiação, porque Deus me trata como ao seu Divino Filho. E então, como Ele, poderei gemer e chorar a sós no meu Getsêmani; mas, prostrado por terra, reconhecendo o meu nada, subirá até o Senhor um grito saído do íntimo de minha alma: Abba, Pater..., fiat! Faça-se!

A prisão de Jesus: É chegada a hora; eis que o Filho do homem vai ser entregue às mãos dos pecadores. Quer dizer que... o homem tem a sua hora? Tem, sim... E Deus, a sua eternidade!
Algemas de Jesus! Algemas — que Ele voluntariamente deixou que Lhe pusessem — , atai-me, fazei-me sofrer com o meu Senhor, para que este corpo de morte se humilhe... Porque — não há meio termo — ou o aniquilo ou torno-me vil. Mais vale ser escravo do meu Deus que escravo da minha carne.

Durante o processo, o Senhor cala-se. Depois, responde às perguntas de Caifás e de Pilatos... Com Herodes, volúvel e impuro, nem uma palavra: tanto deprava o pecado de luxúria, que não escuta nem a voz do Salvador. Se em tantos ambientes resistem à verdade, cala-te e reza, mortifica-te... e espera. Também nas almas que parecem mais perdidas resta, até o fim, a capacidade de voltar e amar a Deus.

Está para se pronunciar a sentença. Pilatos zomba: eis o vosso rei! Os pontífices respondem enfurecidos: Não temos outro rei senão César!
Senhor! Onde estão os teus amigos? Onde os teus súditos? Deixaram-Te. É uma debandada que dura há vinte séculos... Fugimos todos da Cruz, da tua Santa Cruz. Sangue, angústia, solidão e uma insaciável fome de almas... são o cortejo da tua realeza.

Eis o homem! Estremece o coração ao contemplar a Santíssima Humanidade do Senhor feita uma chaga. E então hão de perguntar-lhe: que feridas são essas que trazes em tuas mãos? E ele responderá: São feridas que recebi na casa dos que me amam (Zac 13,6).

Neste primeiro momento da Via Dolorosa, eu lhe convido a olhar para Jesus. Cada rasgão é uma censura; cada açoite, um motivo de dor pelas tuas ofensas e pelas minhas...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

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