quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Coração puro e espírito decidido

"Cria em mim um coração que seja puro, dai-me de novo um espírito decidido". (Sl 50, 12)

Essa Palavra tem me "incomodado" bastante nas últimas semanas... Penso que este versículo se encontra no cerne do Cristianismo. Santa Teresinha entendeu muito bem o que era pedir - e, sobretudo, deixar Deus dar - um coração que fosse puro. Ter um espírito decidido é consequência de viver essa pureza de coração. Sem ela, o espírito pode até ser decidido, mas não o será por Deus.

Confesso que não é tão simples quanto parece ser. Essa pequena oração sintetiza toda uma mudança de vida, atinge desde nossos pensamentos até nossas ações, nossos comportamentos; entra em conflito direto com uma gigantesca carga de diretrizes que a sociedade imbute em nós... Mas, péra aí... não era disso que Cristo nos veio falar? Não era essa a nova humanidade que Paulo pregava? Ora, se nos consideramos cristãos, seguidores do Cristo, onde está nossa postura sobrenatural, de homens e mulheres que vivem pelo Espírito? Falta-nos vida interior: porque não nos esforçamos em ver claramente, em tirar propósitos concretos e cumprí-los; porque não temos sentido sobrenatural nos estudos, no trabalho, nas nossas conversas, no convívio com os outros... Como andamos em matéria de presença de Deus, consequência e manisfestação de nossa oração? Como está nossa vida interior? Oração... essa é a chave para acolher de Deus esse coração puro ao qual tanto pedimos.

Sempre que sentimos no coração desejos de melhorar, de corresponder mais generosamente ao Senhor, e procuramos um roteiro, um norte claro para a nossa existência cristã, o Espírito Santo traz-nos à memória as palavras do Evangelho: "Importa orar sempre e não desfalecer". A oração é o fundamento de toda a atividade sobrenatural; com a oração podemos tudo em Deus e, se prescindíssemos desse recurso, nada conseguiríamos. Se realmente queremos um coração puro, é preciso estar sempre de mãos dadas com a perfeita pureza humana, Cristo.

Gostaria que hoje, prezado leitor, nos persuadíssemos definitivamente da necessidade de nos dispormos a ser almas contemplativas, no meio da rua, do trabalho, na sala de aula, dentro do ônibus... mantendo com o nosso Deus um diálogo contínuo, que não deve decair ao longo do dia. Se pretendemos seguir lealmente os passos do Mestre, esse é o único caminho.

É essencial observar os passos do Messias, porque Ele veio para nos mostrar o caminho que conduz ao Pai. Descobriremos com Ele como é possível dar relevo sobrenatural às atividades aparentemente mais pequenas; aprenderemos a viver cada instante com vibração de eternidade, e compreenderemos com maior profundidade que a criatura necessita desses tempos de conversa íntima com Deus: para relacionar-se com Ele, para invocá-lo, para louvá-lo, para romper em ações de graças, para escutá-lo, para purificar o coração, para fortalecer o espírito ou, simplesmente, para estar com Ele...

terça-feira, 2 de março de 2010

conversão


Sempre há um lugar e um tempo exato em que o Senhor quer encontrar conosco. É esse momento que marca o começo da conversão ou a rejeição radical. Essa conversão é um caminho que exige constância e uma decisão sempre renovada de prosseguir a viagem apesar de tudo. Se na antiga aliança o povo caminhava sob a orientação de Moisés, para nós o caminho a seguir é o Filho de Deus, Jesus Cristo. É ele quem nos tira da escravidão do pecado, que nos leva para fora de nós mesmos...

O sentido da vida eclesial é ajudar-se fraternalmente a dar passos nos caminhos da conversão, ou seja, ajudar uns aos outros a buscar e a seguir a Jesus. Temos que desejar ardentemente que nenhum se extravie, que nenhum se atrase ou se distancie. Este é, precisamente, o convite do Evangelho do próximo domingo, que conclui com a parábola da figueira estéril. O agricultor que roga que não a cortem é Jesus. Como nosso intercessor, dirá até o fim dos tempos: "‘Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto..." Todos os cuidados que Jesus nos oferece com sua Palavra, com os Sacramentos, com suas intervenções providenciais - e o são também os acontecimentos dolorosos -, são ofertas de conversão. Deixemos que Ele, portanto, nos cultive. A Palavra Sagrada é como uma semente plantada para que possa produzir frutos...

Tudo é providente na vida do homem, tudo está ligado ao tempo: neste sentido, tanto justos como pecadores vivem no tempo, tempo que é um dom de Deus para nós, um tempo de graça, e, portanto, tempo aberto à conversão. Nem o pecador inveterado nem o justo inveterado permanecerão assim para sempre. Somos chamados a ser "pecadores em conversão". Deus nos toca de muitas maneiras para nos trazer a este estado de conversão. Nós só podemos nos preparar para que Deus nos toque.

Fora da conversão estamos fora do amor. Neste caso, não sobraria ao homem mais que duas possibilidades: a auto-satisfação e a auto-justiça, ou uma profunda insatisfação e desespero. Fora da conversão não podemos estar na presença do verdadeiro Deus, pois não estaríamos junto a Deus, e sim junto a um de nossos numerosos ídolos. Além disso, sem Deus, não podemos permanecer na conversão, porque isso nunca seria fruto, unicamente, de boas resoluções ou de nosso esforço. É o primeiro passo do amor, do amor de Deus mais que do nosso. Converter é ceder ao domínio insistente de Deus, é abandonar-se ao primeiro sinal de amor que percebemos como procedente d'Ele. Abandono no sentido de rendição. Se nos rendemos, nos entregamos a Ele. Todas nossas resistências se fundem ante o fogo consumidor de sua Palavra e ante seu olhar... e não temos mais do que a oração do profeta Jeremias: "Faz-nos voltar a ti, Senhor, e voltaremos"...

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O mistério da quaresma no coração do homem atual


Vivemos numa época de grandes mudanças, de contínuas atualizações: de pessoas, de instituições, da sociedade... Na euforia das mudanças impostas pelo mundo em que vivemos, precisamos de uma mudança de maior consistência do que as ondas que morrem na areia... refiro-me a mudar a nós mesmos, a nossa maneira de sentir, pensar e agir...

Hoje, tudo acontece muito rapidamente. Parece que tudo tem acontecido de uma forma caótica, sem a possibilidade de perceber o que acontece à nossa volta. Sentimos necessidade de nos restabelecer, de reorganizar nossas vidas. Em outras palavras, precisamos de um tempo para "respirar"...

Nestes tempos em que se exalta tanto a liberdade (ou, talvez, uma falsa liberdade), resulta que nos vemos presos a formas sutis de escravidão; alguns lançam mão de certos artifícios que nada mais são que evasões momentâneas, fugas ou adormecimento perante a realidade. Em muitos, aparece uma renovação contínua de metas (como o que acontece nas viradas de ano), entretanto, não me parece que isto ajude, de fato, a superar essa sensação de profunda “velhice” que progride inexoravelmente. É frequente ouvirmos frases como essa em nossas conversas cotidianas: "Estou exausto, não posso mais". Eu, pelo menos, me pego vez ou outra nesse tipo de postura de "homem velho". As férias, feriados e fins de semana parecem não obter o efeito desejado...

Precisamos de um repouso profundo que brote de um silêncio vivificante. As relações, tanto a nível pessoal como social, muitas vezes tornaram-se complicadas, conflitantes, falsas, criando, ao longo do tempo profundas dificuldades... Aspiramos a uma maior clareza de ideias e serenidade de coração para superar a indiferença cotidiana, a crer na fecundidade do perdão, na alegria da reconciliação, do encontro, no acolhimento fraterno, no diálogo. Tudo isso não são mais que as diversas facetas de uma realidade de salvação. Porém, o homem é capaz de realizar-la?

Para o cristão, a quaresma é um tempo de verdadeira mudança e renovação, tempo para voltar a respirar a plenos pulmões, tempo para por em ordem tantas confusões, de restaurar relações autênticas seja com Deus ou com os irmãos, de restabelecer diálogos rompidos, de apreciar o verdadeiro descanso... para alcançar a salvação. E isso não é feito com um mero querer da vontade, nem é fruto de uma inteligência desperta... nasce de uma decisão que nos põe à escuta de Deus, de deixar-se modificar por Ele, de abandonar nossos caminhos para caminhar pelos Dele, de entrar na dinâmica de uma história de salvação…

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

entrega...




"A Missa é comprida, dizes, e eu acrescento: porque o teu amor é curto". (São Josemaría)


Não revelo nada de novo se digo que muitos cristãos têm uma visão muito pobre da Santa Missa, que muitos a encaram como um mero rito exterior, quando não como um convencionalismo social. Nossos corações, por vezes tão mesquinhos, são capazes de olhar como uma rotina a maior doação de Deus aos homens...

Na Missa intervém de modo especial a Trindade Santíssima. Para correspondermos a tanto amor, é preciso que haja da nossa parte uma entrega total do corpo e da alma, pois ouvimos o próprio Deus, falamos com Ele; nós o vemos e o saboreamos. E quando as palavras se tornam insuficientes, cantamos, animando a nossa língua a proclamar as grandezas do Senhor em nossas vidas, em nossos corações.

Viver a Santa Missa é permanecer em oração contínua, é convencer-se de que é para cada um de nós um encontro pessoal com Deus, em que adoramos, louvamos, pedimos, damos graças, reparamos por nossos pecados, nos purificamos e nos sentimos uma só coisa em Cristo com todos os cristãos...

O Deus da nossa fé não é um ser longínquo, que contemple com indiferença a sorte dos homens, seus anseios, suas lutas, suas angústias... É um Pai que ama seus filhos até o extremo de lhes enviar o Seu Filho, para que, pela sua encarnação, morra por eles e os redima; É o Pai amoroso que incansavelmente nos atrai suavemente a Si, mediante a ação do Espírito Santo que habita em nossos corações...