terça-feira, 31 de março de 2009

Reflexões sobre a Via Crucis (VIII)

Entre a multidão que contempla a passagem do Senhor, há algumas mulheres que não podem conter a sua compaixão e rompem em lágrimas. Mas o Senhor quer dirigir esse pranto para um motivo mais sobrenatural, e as convida a chorar pelos pecados, que são a causa da Paixão e que hão de atrair o rigor da justiça divina:

Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, mas chorai por vós e pelos vossos filhos... Porque, se assim se trata o lenho verde, que se fará com o seco? (Lc 23, 28-31).

Os teus pecados, os meus, os de todos os homens, põem-se em pé. Todo o mal que fizemos e o bem que deixamos de fazer... O panorama desolador dos delitos e infâmias sem conta, que teríamos cometido se Ele, Jesus, não nos tivesse confortado com a luz do seu olhar...

Jesus responde com um convite ao arrependimento, agora, enquanto a alma está a caminho e ainda há tempo. É preciso unir, é preciso compreender, é preciso desculpar. A Cruz de Cristo é calar-se, perdoar e rezar por uns e por outros, para que todos alcancem a paz.

O Mestre passa, uma vez e outra vez, muito perto de nós. Olha-nos... E se O olhar, se O escutar, se não O repelir, Ele te ensinará o modo de dar sentido sobrenatural a todas as tuas ações... E então também você semeará, onde quer que esteja, consolo, paz e alegria.

Por muito que amemos, nunca amaremos bastante. O coração humano tem um coeficiente de dilatação enorme. Quando ama, alarga-se de tal forma cheio de carinho que ultrapassa todas as barreiras. Se amamos o Senhor, não haverá criatura que não encontre lugar em nosso coração...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

Reflexões sobre a Via Crucis (VII)

Já fora da muralha, o corpo de Jesus volta a abater-se por causa da fraqueza, e cai pela segunda vez, entre a gritaria da multidão e os empurrões dos soldados. A debilidade do corpo e a amargura da alma fizeram com que Jesus caísse de novo. Todos os pecados dos homens — os meus também — pesam sobre a sua Humanidade Santíssima.

"Foi ele que tomou sobre si as nossas enfermidades e carregou com as nossas dores; e nós o reputávamos como um leproso, ferido por Deus e humilhado. Mas por nossas iniqüidades é que foi ferido, por nossos pecados é que foi torturado. O castigo que nos havia de trazer a paz caiu sobre ele, e por suas chagas fomos curados" (Is 53, 4-5).

Jesus desfalece, mas a sua queda nos levanta, a sua morte nos ressuscita. À nossa reincidência no mal, responde Jesus com a sua insistência em redimir-nos, com abundância de perdão. E, para que ninguém desespere, torna a erguer-se, fatigosamente abraçado à Cruz. Que os tropeços e as derrotas já não nos afastem mais d'Ele. Como a criança débil se lança pesarosa nos braços vigorosos de seu pai, nós - eu e você - nos apoiaremos ao jugo de Jesus. Só essa contrição e essa humildade transformarão a nossa fraqueza humana em fortaleza divina

Jesus cai pelo peso de madeiro... Nós, pela atração das coisas da terra. Prefere sucumbir a soltar a Cruz. Assim sara Cristo o desamor que nos derruba.

Sejamos simples, meus caros... Como Teresinha e tantos outros o foram. Abramos o coração. Olha que ainda nada se perdeu. Ainda podemos continuar avante, e com mais amor, com mais carinho, com mais fortaleza.

E se não tem vivido bem, se não tem se sentido feliz, meu irmão a receita está aqui: põe aos ombros uma partezinha dessa cruz, só uma parte pequena. E se nem mesmo assim podes com ela..., deixa-a toda inteira sobre os ombros fortes de Cristo. E repete desde já comigo: Senhor, meu Deus! Em tuas mãos abandono o passado, o presente e o futuro, o pequeno e o grande, o pouco e o muito, o temporal e o eterno. E fica tranqüilo.

Certa vez, li num livro de um santo de nossos tempos, algo que dizia assim: "cheguei a perguntar-me qual o maior martírio: se o de quem recebe a morte pela fé, das mãos dos inimigos de Deus; se o de quem gasta os seus anos trabalhando sem outra mira que a de servir a Igreja e as almas, e envelhece sorrindo, e passa despercebido... Para mim, o martírio sem espetáculo é mais heróico... Esse é o teu caminho".

Para seguir o Senhor, para chegar a um trato íntimo com Ele, temos de espezinhar-nos pela humildade como se pisa a uva no lagar... ou como se tritura o trigo no moinho... Se calcamos aos pés a nossa miséria — que é o que somos — , então Ele se hospeda na alma a seu bel-prazer. Como em Betânia, fala conosco e nós com Ele, em conversação confiada de amigos...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Reflexões sobre a Via Crucis (VI)

"Não há nele parecer nem formosura que atraia os olhares, não há beleza alguma que agrade. Desprezado, qual escória da humanidade, um homem de dores, experimentado em todos os sofrimentos, diante de quem se vira o rosto, foi menosprezado e tido em nada" (Is 53, 2-3).

E é o Filho de Deus que passa, louco... louco de Amor! Uma mulher, de nome Verônica, abre caminho por entre a multidão, levando um véu branco dobrado, com o qual limpa piedosamente o rosto de Jesus. O Senhor deixa gravada a sua Santa Face nas três partes desse véu. O rosto bem-amado de Jesus, que sorrira às crianças e se transfigurara de glória no Tabor, está agora como que oculto pela dor. Mas esta dor é a nossa purificação; esse suor e esse sangue que embaçam e esfumam as suas feições, a nossa limpeza...

Senhor, que eu me decida a arrancar, mediante a penitência, a triste máscara que forjei com as minhas misérias... Então, só então, pelo caminho da contemplação, a minha vida irá copiando fielmente os traços da Tua vida. Iremos assim, aos poucos, parecendo mais e mais Contigo.

Os nossos pecados foram a causa da Paixão: daquela tortura que deformava o semblante amabilíssimo de Jesus, perfeito Deus, perfeito homem. E são também as nossas misérias que agora nos impedem de contemplar o Senhor, e nos apresentam opaca e distorcida a sua figura. Quando temos a vista turva, quando os olhos se obscurecem, precisamos ir à luz. E já dizia Cristo: "Eu sou a luz do mundo"(Jo 8, 12). E acrescenta: "Quem me segue não caminha às escuras, mas terá a luz da vida".

Procisamos buscar o trato íntimo com a Humanidade Santíssima de Jesus... E Ele porá em nossa alma uma fome insaciável, um desejo "disparatado" de contemplar a sua Face. Nessa ânsia — que não é possível aplacar na terra — , acharemos muitas vezes o consolo que buscamos.

Escreve São Pedro: "Por Jesus Cristo, Deus nos deu as grandes e preciosas graças que havia prometido, a fim de vos tornardes participantes da natureza divina" (II Pe 1, 4). Esta nossa divinização não significa que deixamos de ser humanos... Homens, sim, mas com horror ao pecado grave. Homens que abominam as faltas veniais, e que, se experimentam a cada dia a sua fraqueza, sabem também da fortaleza de Deus. Assim, nada poderá nos deter: nem os respeitos humanos, nem as paixões, nem esta carne que se rebela porque somos uns velhacos, nem a soberba, nem... a solidão.

E falando em solidão, um cristão nunca está só. Se te sentes abandonado, meu irmão, é porque talvez não queiras olhar para esse Cristo que passa tão perto..., talvez com a Cruz...

Permaneçamos sempre em ação de graças! Meu Deus, obrigado, obrigado por tudo: pelo que me contraria, pelo que não entendo, pelo que me faz sofrer... Os golpes são necessários para arrancar o que sobra do grande bloco de mármore. Assim Deus esculpe nas almas a imagem de seu Filho. Agradece ao Senhor essas delicadezas! Quando nós, os cristãos, vivemos mal, é porque não damos a esta vida todo o seu sentido divino. Onde a mão sente a picada dos espinhos, os olhos descobrem um ramo de rosas esplêndidas, cheias de aroma...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

Reflexões sobre a Via Crucis (V)

Jesus está exausto. Seus passos tornam-se mais e mais arrastados, e a soldadesca tem pressa em acabar. De modo que, quando saem da cidade pela porta judiciária, requisitam um homem que vinha de uma granja, chamado Simão de Cirene, pai de Alexandre e de Rufo, e forçam-no a levar a cruz de Jesus. No conjunto da Paixão, é bem pouco o que representa esta ajuda. Mas a Jesus basta um sorriso, uma palavra, um gesto, um pouco de amor para derramar copiosamente a sua graça sobre a alma do amigo. Anos mais tarde, os filhos de Simão, já cristãos, serão conhecidos e estimados entre os seus irmãos na fé. Tudo começou por um encontro não esperado com a Cruz...

Às vezes, a Cruz aparece sem a procurarmos: é Cristo que pergunta por nós. E se por acaso, perante essa Cruz inesperada - e talvez por isso mais escura, o coração manifesta repugnância... não lhe dê consolo. E, cheio de uma nobre compaixão, quando o teu coração lhe pedir atenção, diga-lhe baixinho, devagar, como em confidência: "Coração: coração na Cruz, coração na Cruz!".

Queres saber como agradecer ao Senhor o que fez por nós?... Com amor! Não há outro caminho. Amor com amor se paga. Mas a certeza do carinho, é o sacrifício que a dá. Portanto, ânimo! Nega-te e toma a sua Cruz. Então terás a certeza de Lhe devolver amor por Amor. Não é tarde, nem tudo está perdido... Ainda que assim lhe pareça. Ainda que o repitam mil vozes negativas. Ainda que te assediem olhares de zombaria de incredulidade... Chegaste num bom momento para carregar a Cruz: a Redenção está-se fazendo — agora! — , e Jesus necessita de muitos cireneus...

Para ver feliz a pessoa que ama, um coração nobre não vacila ante o sacrifício. Para aliviar um rosto sofrido, uma alma grande vence a repugnância e dá-se sem nojos... É necessário que aprendamos a mortificar nossos caprichos. Aceitar a contrariedade sem exagerá-la, sem espantos, sem... histerismos. E assim tornaremos mais ligeira a Cruz de Jesus.

Hoje entrou a salvação nesta casa, pois também este é filho de Abraão. Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que tinha perecido (Lc 19, 9-10).

Zaqueu, Simão de Cirene, Dimas, o centurião... Agora já sabemos porque o Senhor nos procurou. Agradeça-o!... Com obras e com verdadeiro amor. Mas, como amar verdadeiramente a Cruz Santa de Jesus?? Desejando-a!... Ahh, Senhor, dá-nos forças para implantá-la em todos os corações, e a todo o comprimento e a toda a largura deste mundo! E na sequência, amá-Lo com alegria, com o palpitar de todos os corações que ainda não O amam...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

Reflexões sobre a Via Crucis (IV)

Acabava Jesus de se levantar da primeira queda, quando encontra sua Mãe Santíssima, junto do caminho por onde Ele passa.

Com imenso amor, Maria olha para Jesus, e Jesus olha para sua Mãe; os olhos de ambos se encontram, e cada coração derrama no outro a sua própria dor. A alma de Maria fica submersa em amargura, na amargura de Jesus Cristo. Mas ninguém percebe, ninguém repara; só Jesus. Neste momento, cumpriu-se a profecia de Simeão: Uma espada trespassará a tua alma (Lc 2, 35)

Na obscura solidão da Paixão, Nossa Senhora oferece a seu Filho um bálsamo de ternura, de união, de fidelidade; um sim à Vontade divina. Levados pela mão de Maria, somos convidados também a consolar Jesus, aceitando sempre e em tudo a Vontade de seu Pai, do nosso Pai. Só assim experimentaremos a doçura da Cruz de Cristo, e a abraçaremos com a força do Amor, levando-a em triunfo por todos os caminhos da terra. Ahhh, minha Mãe e Senhora, ensina-me a pronunciar um sim que, como o teu, se identifique com o clamor de Jesus perante seu Pai: "não se faça a minha vontade, mas a de Deus" (Lc 22, 42).

Quanta miséria! Quantas ofensas! As minhas, as tuas, as da humanidade inteira... Nasci, como todos os homens, manchado com a culpa dos nossos primeiros pais. Depois... os meus pecados pessoais: rebeldias pensadas, desejadas, cometidas... Para nos purificar dessa podridão, Jesus quis humilhar-se e tomar a forma de servo, encarnando-se nas entranhas sem mácula de Nossa Senhora, sua Mãe, nossa Mãe. Passou trinta anos de obscuridade, trabalhando como outro qualquer, junto de José. Pregou. Fez milagres... E nós Lhe pagamos com uma Cruz.

Que motivos mais ainda precisamos para a contrição de nosso coração?

Jesus esperou por esse encontro com sua Mãe. Quantas recordações de infância! Belém, o longínquo Egito, a aldeia de Nazaré. Agora também a quer junto de Si, no Calvário. E nós também precisamos d'Ela!... Na escuridão da noite, quando uma criancinha tem medo, grita: Mamãe! Assim tenho eu de clamar muitas vezes com o coração: Mãe! Mamãe! Não me largues!

Até chegarmos ao abandono, há um pouquinho de caminho a percorrer... Se ainda não conseguimos, não nos angustiemos: continuemos a nos esforçar. Chegará o dia em que não veremos outro caminho senão Ele — Jesus — , sua Mãe Santíssima, e os meios sobrenaturais que o Mestre nos deixou...

Se formos almas de fé, daremos aos acontecimentos desta terra uma importância muito relativa, como a deram os santos... O Senhor e sua Mãe não nos abandonam e, sempre que for necessário, se farão presentes para encher de paz e de segurança o coração dos seus...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

domingo, 29 de março de 2009

Reflexões sobre a Via Crucis (III)

A Cruz fere, desfaz com o seu peso os ombros do Senhor.
A multidão foi-se agigantando. Os legionários mal podem conter a multidão encrespada e enfurecida que, como rio fora do leito, aflui pelas vielas de Jerusalém.
O corpo exausto de Jesus cambaleia já sob a Cruz enorme. De seu Coração amorosíssimo mal chega um alento de vida aos membros chagados.

À direita e à esquerda, o Senhor vê essa multidão que anda como rebanho sem pastor. Poderia chamá-los um por um, pelos seus nomes, pelos nossos nomes. Ali estão os que se alimentaram na multiplicação dos pães e dos peixes, os que foram curados de suas doenças, os que Ele ensinou, junto do lago e na montanha e nos portões do Templo.

Uma dor aguda penetra na alma de Jesus, e o Senhor desaba debilitado.

E nós não podemos dizer nada: agora já sabemos porque pesa tanto a Cruz de Jesus. E choramos as nossas misérias e também a tremenda ingratidão do coração humano. Nasce do fundo da alma um ato de contrição verdadeira, que nos tira da prostração do pecado. Jesus caiu para que nós nos levantássemos: uma vez e sempre. Enquanto há luta, luta ascética, há vida interior. Isso é o que nos pede o Senhor: a vontade de querer amá-Lo com obras, nas coisas pequenas de cada dia. Se venceste no que é pequeno, vencerás no que é grande.

Quantos, com a soberba e a imaginação, se metem nuns calvários que não são de Cristo! A Cruz que deves levar é divina. Não queira levar nenhuma humana. Se alguma vez cair nesse laço, corrija-se imediatamente: basta-te pensar que Ele sofreu infinitamente mais por amor de nós...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

Reflexões sobre a Via Crucis (II)

Jesus entrega-se sem se defender à execução da sentença. Não Lhe hão de poupar nada, e sobre os seus ombros cai o peso da cruz infamante. Mas a Cruz será, por obra do amor, o trono da sua realeza.

O povo de Jerusalém e os forasteiros vindos para a Páscoa acotovelam-se pelas ruas da cidade, para ver passar Jesus Nazareno, o Rei dos judeus. Há um tumulto de vozes; e, de tempos em tempos, curtos silêncios, talvez, quando Cristo fixa os olhos neste ou naquele:

— Se alguém quiser vir após mim, tome a sua cruz de cada dia e siga-me...

Com que amor se abraça Jesus com o lenho que Lhe há de dar a morte!

É verdadeiramente suave e amável a Cruz de Jesus. Não contam aí as penas; só a alegria de nos sabermos co-redentores com Ele.

A comitiva prepara-se... Jesus, escarnecido, é alvo das zombarias de todos os que o rodeiam. Ele, que passou pelo mundo fazendo o bem e sarando as doenças a todos... A Ele, ao Bom Pastor, a Jesus, que veio ao encontro dos que estavam longe, vão levá-Lo ao suplício.
Como se fosse para uma festa, prepararam um cortejo, uma longa procissão. Os juízes querem saborear a sua vitória com um suplício lento e desapiedado.

Jesus não encontrará a morte num abrir e fechar de olhos... Lhe é dado algum tempo para que a dor e o amor continuem a identificar-se com a Vontade amabilíssima do Pai. "O que me apraz, meu Deus, é cumprir a tua Vontade, e a tua lei está dentro do meu coração".

Quanto mais formos de Cristo, maior graça teremos para a nossa vida na terra e para a felicidade eterna. Mas teremos de decidir a seguir o caminho da entrega: a Cruz às costas, com um sorriso nos lábios, com uma luz na alma.

E se ouvimos dentro de nós: "Como pesa esse jugo que tomaste livremente!" É a voz do demônio, o fardo... de nossa própria soberba.

Peçamos ao Senhor humildade, para compreendermos com profundidade aquelas palavras de Jesus: "Pois meu jugo é suave e minha carga é leve" (Mt 11,30), que gosto de traduzir livremente assim: meu jugo é a liberdade, meu jugo é o amor, meu jugo é a unidade, meu jugo é a vida...

Há uma espécie de rejeição, uma espécie de medo à Cruz, à Cruz do Senhor. Passamos a chamar cruzes a todas as coisas desagradáveis que acontecem na vida e, muitas vezes, não sabemos levá-las com sentido de filhos de Deus, com visão sobrenatural. Na Paixão, a Cruz deixou de ser símbolo de castigo para converter-se em sinal de vitória. A Cruz é o emblema do Redentor: ali está a nossa saúde, a nossa vida e a nossa ressurreição.

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

sábado, 28 de março de 2009

Reflexões sobre a Via Crucis (I)

Passa das dez da manhã. O processo está chegando ao fim. Não houve provas concludentes. O juiz sabe que os seus inimigos O entregaram por inveja, e tenta um expediente absurdo: a escolha entre Barrabás, um malfeitor acusado de roubo com homicídio, e Jesus, que se diz o Cristo. O povo escolhe Barrabás. Pilatos exclama:

— Que hei de fazer, pois, de Jesus?

Respondem todos: — Crucifica-o!
O juiz insiste: — Mas que mal fez ele?
E de novo respondem, aos gritos: — Crucifica-o! Crucifica-o!

Assusta-se Pilatos ante o tumulto crescente. Manda trazer água e lava as mãos à vista do povo, enquanto diz:

Sou inocente do sangue deste justo; é lá convosco...

E depois de ter mandado açoitar Jesus, entrega-O para que O crucifiquem. Faz-se silêncio naquelas gargantas embravecidas e possessas. Como se Deus já estivesse derrotado.

Jesus está só. Vão longe os dias em que a palavra do Homem-Deus punha luz e esperança nos corações, as longas procissões de doentes que eram curados, os clamores triunfais de Jerusalém à chegada do Senhor, montado num manso jumentinho. Se os homens tivessem querido dar outro curso ao amor de Deus! Se você e eu tivéssemos conhecido o dia do Senhor!

Jesus ora no horto: Abba, Pai! Deus é meu Pai, ainda que me envie sofrimento. Ama-me com ternura, mesmo que me fira. Jesus sofre, para cumprir a Vontade do Pai... E eu, que quero também cumprir a Santíssima Vontade de Deus, seguindo os passos do Mestre, poderei queixar-me se encontro por companheiro de caminho o sofrimento? Será esse um sinal certo da minha filiação, porque Deus me trata como ao seu Divino Filho. E então, como Ele, poderei gemer e chorar a sós no meu Getsêmani; mas, prostrado por terra, reconhecendo o meu nada, subirá até o Senhor um grito saído do íntimo de minha alma: Abba, Pater..., fiat! Faça-se!

A prisão de Jesus: É chegada a hora; eis que o Filho do homem vai ser entregue às mãos dos pecadores. Quer dizer que... o homem tem a sua hora? Tem, sim... E Deus, a sua eternidade!
Algemas de Jesus! Algemas — que Ele voluntariamente deixou que Lhe pusessem — , atai-me, fazei-me sofrer com o meu Senhor, para que este corpo de morte se humilhe... Porque — não há meio termo — ou o aniquilo ou torno-me vil. Mais vale ser escravo do meu Deus que escravo da minha carne.

Durante o processo, o Senhor cala-se. Depois, responde às perguntas de Caifás e de Pilatos... Com Herodes, volúvel e impuro, nem uma palavra: tanto deprava o pecado de luxúria, que não escuta nem a voz do Salvador. Se em tantos ambientes resistem à verdade, cala-te e reza, mortifica-te... e espera. Também nas almas que parecem mais perdidas resta, até o fim, a capacidade de voltar e amar a Deus.

Está para se pronunciar a sentença. Pilatos zomba: eis o vosso rei! Os pontífices respondem enfurecidos: Não temos outro rei senão César!
Senhor! Onde estão os teus amigos? Onde os teus súditos? Deixaram-Te. É uma debandada que dura há vinte séculos... Fugimos todos da Cruz, da tua Santa Cruz. Sangue, angústia, solidão e uma insaciável fome de almas... são o cortejo da tua realeza.

Eis o homem! Estremece o coração ao contemplar a Santíssima Humanidade do Senhor feita uma chaga. E então hão de perguntar-lhe: que feridas são essas que trazes em tuas mãos? E ele responderá: São feridas que recebi na casa dos que me amam (Zac 13,6).

Neste primeiro momento da Via Dolorosa, eu lhe convido a olhar para Jesus. Cada rasgão é uma censura; cada açoite, um motivo de dor pelas tuas ofensas e pelas minhas...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

Considerações maternas e marianas

Tenho meditado em como contrasta a esperança de Maria com a nossa impaciência! Com freqüência reclamamos de Deus que nos pague imediatamente o pouco bem que praticamos... Mal aflora a primeira dificuldade, queixamo-nos... rs Somos muitas vezes incapazes de perseverar no esforço, de manter a esperança! Porque nos falta fé. "Bem-aventurada tu, que creste, porque se cumprirão as coisas que te foram ditas da parte do Senhor".

Maria é mestra de caridade. Hoje, pensava no momento da apresentação de Jesus no templo. "O ancião Simeão asseverou a Maria, sua Mãe: Eis que este Menino está posto para ruína e para ressurreição de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição. E uma espada trespassará a tua alma, a fim de se descobrirem os pensamentos escondidos de muitos corações". Vejo como a imensa caridade de Maria pela humanidade faz com que também n'Ela se cumpra a afirmação de Cristo: "Ninguém tem maior amor que aquele que dá a vida pelos seus amigos"

Os filhos, especialmente quando ainda são pequenos, tendem a interrogar-se sobre o que os pais farão por eles, esquecendo, porém, as suas obrigações de piedade filial. Geralmente, nós, os filhos, somos muito interesseiros, embora essa conduta não pareça ter muita importância para as mães, porque têm suficiente amor no coração e amam com o melhor carinho: aquele que se dá sem esperar correspondência... O mesmo se passa com Maria. Hão de doer-nos, se as encontrarmos, as nossas faltas de delicadeza para com esta Mãe tão amável. Eu pergunto, e me pergunto: como é que a honramos?

Voltemos, por um instante, nosso olhar para a experiência de cada dia, ao relacionamento com as nossas mães da terra. Acima de tudo, o que é que elas desejam para os seus filhos, que são carne da sua carne e sangue do seu sangue? O seu maior sonho é tê-los perto de si. Quando os filhos crescem e não é possível continuarem a seu lado, esperam com impaciência as suas notícias, emociona-as tudo o que se passa com eles: desde uma ligeira doença até os eventos mais importantes...

Sob o olhar de nossa mãe Maria, jamais deixamos de ser pequenos, porque Ela nos abre o caminho para o Reino dos Céus, que será dado aos que se fazem crianças. Dela não devemos separar-nos nunca! Como a honraremos? Procurando estar com Ela, falando-lhe, manifestando-lhe o nosso carinho, ponderando no coração as cenas da sua vida na terra, contando-lhe as nossas lutas, os nossos êxitos e os nossos fracassos...

Diante disso que coloco, tenho refletido quanto a minha disposição interior... Sobre até que ponto tenho mantido imutável e firme a minha opção pela Vida... Coloco para você, querido leitor: Quando ouve essa voz de Deus, amabilíssima, que te estimula à santidade, você tem respondido livremente que sim? Pensemos em Jesus, quando falava às multidões pelas cidades e campos da Palestina. Não pretende impor-se. Se queres ser perfeito..., diz Ele ao jovem rico. Aquele rapaz rejeitou a insinuação, e conta-nos o Evangelho que se retirou entristecido. Ele perdeu a alegria porque se negou a entregar a sua liberdade a Deus. Consideremos agora o momento sublime em que o Arcanjo São Gabriel anuncia a Santa Maria o desígnio do Altíssimo. A nossa Mãe escuta, e a seguir pergunta, para compreender melhor o que o Senhor lhe pede; depois vem a resposta firme: "faça-se em mim segundo a tua palavra!". Esse é o fruto da verdadeira liberdade: a de decidir-se por Deus...

terça-feira, 24 de março de 2009

liberdade no abandono


Hoje gostaria de começar refletindo sobre a parábola dos talentos... O servo que recebeu um talento podia - como os seus companheiros - empregá-lo bem, tratar de fazê-lo render, pondo em jogo as qualidades que possuía. E o que é que decide? Preocupa-o o medo de perdê-lo. Muito bem. Mas depois? Enterra-o! E aquilo não dá fruto...

Não esqueçamos este caso de temor doentio de aproveitar honradamente a capacidade de trabalho, a inteligência, a vontade, o homem todo. Eu o enterro - parece afirmar este infeliz -, mas a minha liberdade fica a salvo! Não. A liberdade inclinou-se para algo de muito concreto, para a secura mais pobre e árida. Tomou partido, porque não tinha outro remédio senão escolher. Mas escolheu mal.

Nada mais falso do que opor a liberdade à entrega de si, porque essa entrega, esse abandono, surge como conseqüência da liberdade. Reparemos: quando uma mãe ou um pai se sacrifica por amor de seus filhos, fez uma opção; e, conforme for a medida desse amor, assim se manifestará a sua liberdade. Se esse amor for grande, a liberdade se mostrará fecunda, e o bem dos filhos procederá dessa bendita liberdade, que pressupõe entrega, e procederá dessa bendita entrega, que é precisamente liberdade.

Mas, quando conseguimos o que amamos com toda a alma, não mais continuamos a procurar. Desapareceu a liberdade? Asseguro-lhes que então é mais operativa do que nunca, pois o amor não se contenta com um cumprimento rotineiro nem se compagina com o fastio ou com a apatia. Amar significa recomeçar a servir todos os dias, com obras de carinho.

A liberdade e a entrega de si não se contradizem; apóiam-se mutuamente. A liberdade só pode ser entregue por amor; outro gênero de desprendimento, eu não saberia considerar. Não é um jogo de palavras, mais ou menos acertado. Na entrega voluntária, em cada instante dessa dedicação, a liberdade renova o amor, e renovar-se é ser continuamente jovem, generoso, capaz de grandes ideais e de grandes sacrifícios...

quinta-feira, 12 de março de 2009

Reflexões Quaresmais (II)

Consideremos de novo, nesta Quaresma, que o cristão não pode ser superficial. Plenamente mergulhado no seu trabalho diário entre os demais homens, seus iguais, atarefado, ocupado, em tensão, o cristão tem que estar ao mesmo tempo totalmente mergulhado em Deus, porque é filho de Deus.

A filiação divina é uma verdade feliz, um mistério consolador. A filiação divina encharca toda a nossa vida espiritual, porque nos ensina a procurar, conhecer e amar o nosso Pai do Céu, e assim cumula de esperança a nossa luta interior e nos dá a simplicidade confiante dos filhos pequenos. Mais ainda: precisamente porque somos filhos de Deus, esta realidade leva-nos também a contemplar com amor e com admiração todas as coisas que saíram das mãos de Deus Pai Criador. E deste modo somos contemplativos no meio do mundo, amando o mundo.


Chegada a plenitude dos tempos, Deus Pai enviou ao mundo seu Filho Unigênito para que restabelecesse a paz; para que, redimindo o homem do pecado, fôssemos constituídos filhos de Deus, libertados do jugo do pecado, habilitados a participar na intimidade divina da Trindade. E assim se tornou possível que este homem novo, esta nova enxertia dos filhos de Deus, libertasse toda a criação da desordem, restaurando todas as coisas em Cristo, que nos reconciliou com Deus.
Tempo de penitência, portanto. Mas, como vimos, não é uma tarefa negativa. A Quaresma deve ser vivida com o espírito de filiação que Cristo nos comunicou e que palpita em nossa alma. O Senhor chama-nos para que nos aproximemos d'Ele, a sermos imitadores de Deus, como filhos muito queridos, colaborando humildemente, mas fervorosamente, com o divino propósito de unir o que se quebrou, de salvar o que se perdeu, de ordenar o que o homem pecador desordenou, de reconduzir o que se extraviou, de restabelecer a divina concórdia em toda a criação.

quarta-feira, 11 de março de 2009

muito humanos, muito divinos...

Se aceitamos a nossa responsabilidade de filhos de Deus, devemos ter em conta que Ele nos quer muito humanos. Que a cabeça toque o céu, mas os pés assentem com toda a firmeza na terra. O preço de vivermos cristãmente não é nem deixarmos de ser homens nem abdicarmos do esforço por adquirir essas virtudes que alguns têm, mesmo sem conhecerem Cristo. O preço de cada cristão é o Sangue redentor de Nosso Senhor, que nos quer - insisto - muito humanos e muito divinos, diariamente empenhados em imitá-lo, pois Ele é perfeito Deus, perfeito homem.

Não saberia determinar qual é a principal virtude humana; depende do ponto de vista de que se parta. Além disso, a questão revela-se ociosa, porque não se trata de praticar uma ou várias virtudes. É preciso lutar por adquiri-las e praticá-las todas. Cada uma se entrelaça com as outras e, assim, o esforço por sermos sinceros, por exemplo, nos torna justos, alegres, prudentes, serenos.


Ao mesmo tempo, precisamos considerar que a decisão e a responsabilidade residem na liberdade pessoal de cada um, e por isso as virtudes são também radicalmente pessoais,
da pessoa. Todavia, nessa batalha de amor, ninguém luta sozinho - ninguém é um verso solto, costumo dizer. De algum modo, ou nos ajudamos ou nos prejudicamos. Todos somos elos de uma mesma cadeia. É decisão pessoal ser o elo que rompe ou o que une.

terça-feira, 10 de março de 2009

mutuamente

Jesus Cristo, que veio salvar todos os homens e deseja associar os cristãos à sua obra redentora, quis ensinar aos seus discípulos - a nós - uma caridade grande, sincera, mais nobre e valiosa: devemos amar-nos mutuamente como Cristo ama a cada um de nós. Só dessa maneira, imitando - dentro da nossa rudeza pessoal - os modos divinos, conseguiremos abrir o nosso coração a todos os homens, amar de um modo mais alto, inteiramente novo.

Tertuliano, um escritor do século II, transmitiu-nos o comentário que os pagãos faziam ao contemplarem, comovidos, a conduta dos fiéis de então, tão cheia de atrativo sobrenatural e humano: "Vede como se amam", repetiam.

O principal apostolado que nós cristãos, temos que realizar no mundo, o melhor testemunho de fé, é contribuir para que dentro da Igreja se respire o clima da autêntica caridade. Quando não nos amamos de verdade, quando há ataques, calúnias e rixas, quem se sentirá atraído pelos que se apresentam como mensageiros da Boa Nova do Evangelho?

sexta-feira, 6 de março de 2009

simples

Vida interior, em primeiro lugar. Como são poucos os que a entendem! Ao ouvirem falar de vida interior, pensam logo na quietude do interior de uma igreja, quando não no ambiente rarefeito de certas sacristias. Penso na vida interior de um simples cristão, que habitualmente se encontra em plena rua, ao ar livre; e que na rua, no trabalho, na família e nos momentos de lazer permanece atento a Jesus o dia todo. E o que é isso senão vida de oração contínua?

A princípio custa... é preciso esforçar-se por dirigir o olhar para o Senhor, por agradecer a sua piedade paternal e concreta para conosco. Pouco a pouco, o amor de Deus - embora não seja coisa de sentimentos - torna-se tão palpável como uma flechada na alma. É Cristo que nos persegue amorosamente: "Eis que estou à tua porta e bato" (Ap 3,20).
A oração se torna contínua, como o palpitar do coração, como o pulso... Sem essa presença de Deus, não há vida contemplativa; e, sem vida contemplativa, de pouco vale trabalhar por Cristo, porque, se Deus não edifica a casa, em vão trabalham os que a constróem...


A vida de oração e de penitência, e a consideração da nossa filiação divina, nos transformam em cristãos piedosos, como crianças diante de Deus. A piedade é a virtude dos filhos, e, para que o filho possa confiar-se aos braços de seu pai, deve ser e sentir-se pequeno, necessitado. Tenho meditado com freqüência nessa vida de infância espiritual, que não se opõe à fortaleza porque exige uma vontade enérgica, uma maturidade temperada, um caráter firme e aberto.
Tudo pode se tornar oração, tudo pode e deve levar-nos a Deus, alimentar esse convívio contínuo com Ele, da manhã até à noite. Todo o trabalho honrado pode ser oração; e todo o trabalho que for oração, é apostolado. Desse modo, a alma se enrijece numa unidade de vida simples e forte.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Reflexões Quaresmais (I)

Estamos vivendo novamente o tempo da Quaresma: tempo de penitência, de purificação, de conversão... Não é tarefa fácil, pois o cristianismo não é um caminho cômodo: não basta estar na Igreja e deixar que os anos passem. Na nossa vida, na vida dos cristãos, a primeira conversão - esse momento único, que cada um de nós recorda, e em que se percebe claramente tudo o que o Senhor nos pede - é importante; mas ainda mais importantes, e mais difíceis, são as sucessivas conversões. E para facilitar o trabalho da graça divina com estas conversões sucessivas, é preciso conservar a alma jovem, invocar o Senhor, saber escutar, descobrir o que vai mal, pedir perdão... e há melhor maneira de começarmos a Quaresma? Renovarmos a fé, a esperança, a caridade. Esta é a fonte do espírito de penitência, do desejo de purificação.

Entretanto, esse tempo não é apenas uma ocasião de intensificarmos as nossas práticas externas de mortificação; se pensássemos que é apenas isso, escapar-nos-ia o sentido mais profundo na vida cristã, porque esses atos externos são fruto da fé, da esperança e do amor. Não podemos considerar a Quaresma como uma época a mais, como uma simples repetição cíclica do tempo litúrgico. Este momento é único; e uma ajuda divina que temos que aproveitar. Jesus passa ao nosso lado e espera de nós – hoje, agora - uma grande mudança.

domingo, 1 de março de 2009

inquietante...

Compreende-se muito bem a impaciência, a angústia e os anseios inquietos daqueles que, com alma naturalmente cristã, não se resignam perante as situações de injustiça pessoal e social que o coração humano é capaz de criar. Tantos séculos de convivência entre os homens, e ainda tanto ódio, tanta destruição, tanto fanatismo acumulado em olhos que não querem ver e em corações que não querem amar.


Os bens da terra, repartidos entre poucos; os bens da cultura, encerrados em salões luxuosos. E, lá fora, fome de pão e de sabedoria; vidas humanas - que são santas, porque vêm de Deus - tratadas como simples coisas, como números de uma estatística. Compreendo e partilho dessa impaciência, levantando os olhos para Cristo, que continua a convidar-nos a por em prática o mandamento novo do amor.


Temos que reconhecer Cristo que nos sai ao encontro nos nossos irmãos, os homens. Nenhuma vida humana é uma vida isolada, mas entrelaça-se com as outras vidas. Nenhuma pessoa é um verso solto: fazemos todos parte de um mesmo poema divino, que Deus escreve em parceria com nossa liberdade.

Amar e conhecer... conhecer e amar!

Abraham Lincoln dizia que “Uma vida boa é aquela inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento”... Pensando nesse sentido, acho que o ser humano hoje, de uma maneira geral, vive muito mal. Amamos pouco e conhecemos menos ainda. Vivemos numa era onde ‘amar’ é um verbo banalizado, onde o seu significado cotidiano está cada vez mais distante de sua essência... Temos medo de conhecer a nós mesmos. Temos medo de conhecer ao outro. Temos medo de conhecer a Deus... Como se pode dizer que ama o que não se conhece?


Deus nos chama a viver o amor hoje. Conhecer é a base de tudo. É Ele quem deflagra o acolher, o assumir-se e o cooperar na realização do que cada um é. É preciso reconhecer cada pessoa. O ato de reconhecê-las traz a nota de uma atitude ativa, de um aplicar-se no reconhecer a realidade, a função e o desempenho de um membro do seu próprio corpo. Há aqui uma dupla dimensão: é necessário, de cada um, o empenho de se dar a conhecer a si e aos demais e de se deixar conhecer pelos outros. Não se trata de um conhecer exterior, simplesmente intelectual. É muito mais. É o resultado de um penetrar-se uns nos outros, nos meandros das próprias vidas. Temos a grande sorte de vivermos juntos em família, em comunidade. Não podemos desperdiçar essa oportunidade. O mesmo serve para as famílias e os muitos grupos de convivência em que estamos inseridos. É no viver juntos que nos conhecemos e 'soltamos' as guardas e nos deixamos conhecer. Não é coisa fácil. Causa-nos até arrepios, talvez. Mas é preciso viver essa aventura, que exige de nós um empenho pessoal, crescente, de ir abrindo as guardas e ir se deixando conhecer. Só se ama aquilo que se conhece. Só se conhece aquilo que se ama. Amar é questão de decisão.