terça-feira, 17 de novembro de 2009

Fica comigo, Senhor...

Fica Senhor comigo, preciso da Tua presença para não te ofender. Sabes quão facilmente sou fraco e te abandono... preciso de Ti para não cair...
Fica Senhor comigo, se queres que eu Te seja fiel. Seja-me aquele abrigo pois embora minh’alma, muito pobrezinha, deseja ser pra Ti lugar de consolação, carinho e adoração. Um ninho de amor, quietude e profunda oração.
Não peço o que não mereço, mas tua presença, ó Deus, quero ter. Fica Senhor comigo, para que eu ouça a Tua voz... Fica Senhor comigo, fica meu grande amigo... Tu és minha luz, sem Ti ando nas trevas...
Fica Senhor, para me dar a conhecer a Tua vontade. Fica Senhor comigo, fica meu grande amigo.
Minh’alma é tão pobrezinha, seja meu único abrigo! Quero sua companhia, muito preciso ouvir-te, Senhor. Tanto desejo amar-te, fica meu grande Amor...

(Oração de São Padre Pio, adaptada por Celina Borges)

sábado, 12 de setembro de 2009

Viver de Amor


Viver de amor é dar sem medida sem
na terra salário reclamar.
Ah! sem contar eu dou por
convencida de que quem ama
não sabe calcular.
Ao divino Coração transbordante de
fineza. Eu dei tudo e leve corro com ardor.
Não tenho mais que minha única riqueza: viver de amor!
Viver de amor é banir todo temor
toda lembrança das faltas do passado,
de meus pecados, vestígio algum eu vejo, eu vejo,
Ao fogo divino um a um foi apagado.
Chama sagrada, ó dulcíssima fornalha.
Minha morada eu fixo em teu ardor
Jesus, é aí, que eu canto com alegria: eu vivo de amor!
Viver de amor, que estranha loucura,
diz-me o mundo, ah! cessa de cantar,
não percas teu perfume, tua vida
utilmente procura empregar.
Amar-te, Jesus, que perda fecunda!
Todos os meus perfumes são teus, pra sempre
Eu vou cantar ao sair deste
mundo: eu morro de amor!
(Santa Teresinha do Menino Jesus)

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

rebelião


Dizia Karl Marx que "a religião é (...) a autoconsciência e o sentimento de si do homem, que ou não se encontrou ainda ou voltou a se perder. [...] a religião é o ópio do povo". Fico pensando em onde - se não estiver em Deus - está a lucidez do homem, do homem que vive longe da prática cristã... Para mim, Marx se equivoca, pois o homem atual já vive um distanciamento de Deus (e da religião) e mesmo assim, ainda continua perdido. Nunca se constatou tanta depressão, tanta violência contra o ser humano, tanta falta de amor como a que se vive hoje. É só ligar a televisão... Vivemos num mundo esquisito... onde o certo se tornou ultrapassado e o errado se tornou normal... Onde é corriqueiro mentir, onde é natural ser corrupto, onde a murmuração, a desobediêcia, a ganância, a inveja já - infelizmente - fazem parte do ambiente. Diante dessa lista - que não para por aí - é imprescindível viver, com sentido sobrenatural, a humildade, a confiança, o abandono e, sobretudo, o Amor. Teresa de Lisieux, já há muito tempo, compreendeu essa necessidade...

A religião é a maior rebelião do homem que não tolera viver como um animal, que não se conforma - não sossega - se não conhece o Criador, se não procura a sua intimidade. Eu vos quero rebeldes, livres de todos os laços, porque vos quero - Cristo nos quer - filhos de Deus. Escravidão ou filiação divina: eis o dilema da nossa vida. Ou filhos de Deus ou escravos da soberba, da sensualidade, desse egoísmo angustiante em que tantas vidas parecem debater-se.

O Amor de Deus marca o caminho da verdade, da justiça e do bem. Quando nos decidimos a responder ao Senhor: "a minha liberdade é para Ti", ficamos livres de todas as cadeias que nos haviam atado a coisas sem importância, a preocupações ridículas, a ambições mesquinhas. E a liberdade - tesouro incalculável, pérola maravilhosa que seria triste lançar aos animais - emprega-se inteira em aprender a fazer o bem...

terça-feira, 18 de agosto de 2009

luz e sombras...

Outro dia, li um texto de um santo que me chamou muito a atenção. Dizia ele: "Se fores fiel, poderás chamar-te vencedor. Na tua vida, mesmo que percas alguns combates, não conhecerás derrotas. Não existem fracassos quando se atua com intenção reta e com ânsia de cumprir a vontade de Deus. Então, com êxito ou sem êxito, triunfarás sempre, porque terás feito teu trabalho com Amor."

Somos criaturas e estamos cheios de defeitos. Eu diria até que os teremos sempre; são as sombras que fazem ressaltar mais em nossa alma a graça de Deus e as nossas tentativas de corresponder ao favor divino. E esse claro-escuro nos torna humanos, humildes, compreensivos, generosos...

Não nos enganemos: se em nossa vida contamos com o nosso brio e com vitórias, devemos contar também com fraquezas e derrotas. Essa foi sempre a peregrinação terrena dos cristãos, mesmo dos que veneramos hoje nos altares... A título de lembraça, poderíamos citar o apóstolo Pedro, ou Agostinho, ou Francisco, Teresa de Ávila ou nossa querida Teresa de Lisieux... Nunca me agradaram determinadas biografias de santos que, com toda a ingenuidade, mas também com falta de doutrina, nos apresentavam as façanhas desses homens e mulheres como se tivessem sido confirmados na Graça desde o seio materno, como se tivessem nascidos santos... Não! As verdadeiras biografias dos santos são como as nossas vidas: lutavam e ganhavam, lutavam e perdiam. E então, contritos, voltavam à luta...

Não nos estranhe sermos derrotados com relativa freqüência, geralmente ou até sempre em matérias de pouca importância, que nos ferem como se tivessem muita. Se há amor a Deus, se há humildade, se há perseverança e tenacidade em nossas vidas, essas derrotas não terão excessiva importância, porque chegarão as vitórias, que serão glória aos olhos de Deus. Não existem fracassos quando nos portamos com intenção reta e com o propósito de cumprir a vontade de Deus, contando sempre com a Sua graça e o nosso nada.

"Águia não sou, meu Senhor, dela trago, tão somente, o olhar... e também, no coração, a aspiração do seu voar, voar... "

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Aprender a fazer o bem

Em nossa lida diária (em casa, no trabalho, na escola, etc), convivemos com tantas pessoas e, muitas vezes, não percebemos qual é a missão que Deus nos confia... Outro dia, conversando com um amigo, ele me dizia brincando: "eu quero mudar o mundo". Mas como mudar o mundo se não mudamos nem o nosso mundinho, se não transformamos nem o que está ao nosso redor? Vivemos num mundo onde já não se conhece o vizinho, não se sorri sem interesse, nem se leva "desaforo para casa", muito menos se usa pedir perdão... Compreender e amar o próximo não são atitudes triviais se não há um desejo firme de coração nesse sentido. E se não busco viver o amor, em que me pareço com Cristo? Já dizia um santo de nossos tempos: "Quando estiveres com uma pessoa, tens de ver uma alma: uma alma que é preciso ajudar, que é preciso compreender, com quem é preciso conviver e que é preciso salvar".

A caridade com o próximo é uma manifestação de amor a Deus. Por isso, não podemos estabelecer limite algum ao nosso esforço por melhorar nessa virtude. Com o Senhor, a única medida é amar sem medida. Por um lado, porque nunca chegaremos a agradecer bastante o que Ele fez por nós; por outro, porque o próprio amor de Deus pelas suas criaturas se revela assim: com excesso, sem cálculo, sem fronteiras...

A misericórdia não se detém numa estrita atitude de compaixão; a misericórdia identifica-se com a superabundância da caridade, que por sua vez arrasta consigo a superabundância da justiça. Misericórdia significa manter o coração em carne viva, humana e divinamente impregnado de um amor firme, sacrificado, generoso.

Assim é o Cristo. Assim devemos ser, imagem e semelhança.

domingo, 7 de junho de 2009

vocação cristã


Anima-me considerar um precedente narrado passo a passo nas páginas do Evangelho: a vocação dos primeiros Doze... Aqueles primeiros apóstolos eram bem pouca coisa, segundo os critérios humanos... Quanto à posição social, com exceção de Mateus - que certamente ganhava bem a vida e que deixou tudo quando Jesus lhe chamou-, eram pescadores: viviam do dia a dia, trabalhando até de noite para poderem conseguir o seu sustento. Mas a posição social é o que menos importa. Não eram cultos, nem sequer muito inteligentes, pelo menos no que se refere às realidades sobrenaturais. Até os exemplos e as comparações mais simples eram para eles incompreensíveis, e recorriam ao Mestre: "Senhor, explica-nos a parábola". Quando Jesus, servindo-se de uma imagem, refere-se ao fermento dos fariseus, imaginam que os está recriminando por não terem comprado pão... rsrs

Pobres, ignorantes. E nem sequer simples, abertos. Dentro das suas limitações, eram ambiciosos. Discutem muitas vezes sobre qual deles será o maior quando, segundo a sua mentalidade, Cristo instaurar na terra o reino definitivo de Israel. Discutem e exaltam-se durante esse momento sublime em que Jesus está prestes a imolar-se pela humanidade: na intimidade do Cenáculo.

Fé, pouca. O próprio Jesus Cristo o diz. Viram-no ressuscitar mortos, curar toda a espécie de doenças, multiplicar o pão e os peixes, acalmar tempestades, expulsar demônios... E é São Pedro, escolhido como cabeça, o único que sabe responder prontamente: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo. Mas é uma fé que ele interpreta à sua maneira, porque se atreve a enfrentar Cristo Jesus, para que não se entregue em redenção pelos homens. E Jesus tem que lhe responder: Retira-te de mim, Satanás, que me serves de escândalo, porque não tens a sabedoria das coisas de Deus, mas das coisas dos homens. Pedro raciocinava humanamente, comenta São João Crisóstomo, e concluía que tudo aquilo - a Paixão e a Morte - era indigno de Cristo, reprovável. Por isso Jesus repreende-o e diz-lhe: não, sofrer não é coisa indigna de mim; tu pensas assim porque raciocinas com idéias carnais, humanas...

Mas será que aqueles homens de pouca fé sobressaíam talvez pelo seu amor a Cristo? Não há dúvida de que o amavam, pelo menos de palavra. Em certas ocasiões, deixam-se arrebatar pelo entusiasmo: Vamos nós também e morramos com Ele... Mas, na hora da verdade, todos fogem, exceto João, que verdadeiramente amava com obras. Só este adolescente, o mais jovem dos Apóstolos, permanece junto da Cruz. Os outros não sentiam esse amor tão forte quanto a morte...

Estes eram os Discípulos escolhidos pelo Senhor; assim os escolhe Cristo; assim se comportam antes de que, cheios do Espírito Santo, se convertam em colunas da Igreja. São homens comuns, com defeitos, com fraquezas, com a palavra mais fácil que as obras. E, entretanto, Jesus chama-os para fazer deles pescadores de homens, co-redentores, administradores da graça de Deus... E pensar nisso me faz perceber que esse também é o convite para mim, para nós e para a nossa vida... Mesmo diante de nossas limitações humanas, mesmo diante do nosso egoísmo, da nossa pobreza espiritual, da nossa ignorância, da nossa prepotência, da nossa falta de fé, Ele nos convida a sermos pescadores de homens, nos convida a sermos verdadeiramente cristãos, a amá-Lo, não apenas de palavras, mas com vida e atitude...

quarta-feira, 20 de maio de 2009

pureza de coração...

Ter um coração puro... tenho refletido sobre isso... sobre o que é ter um coração puro, sobre o que é, para Deus, a pureza no coração do homem... e sobre a importância de ser um homem puro, ou melhor, um cristão puro nos dias de hoje...

Ter um coração puro não quer dizer somente ser casto de corpo e de pensamento, segundo a condição que livremente escolhemos, mas também estar livre de todos os outros atrativos que nos afastem do Amor de Deus e do serviço de nossos irmãos...

Puro é o coração que não conhece mescla, divisão, comprometimentos. "Detesto os corações divididos", canta o salmista... Jesus retoma o seu cântico e faz da pureza do coração uma das bem-aventuranças: "Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus". Eles verão a Deus face a face na eternidade. Mas, desde aqui, compartilham com os pequeninos, o privilégio de penetrar profundamente, e por intuição, no mistério divino.

A pureza do coração é a condição de toda união a Deus e de todo o progresso na oração... Se o coração permanece preso a qualquer coisa ou a qualquer pessoa que o afaste de Deus, não pode elevar-se ao Senhor com toda a liberdade. O próprio Senhor não pode doar-se como gostaria. Com o coração dividido, não podemos penetrar na intimidade de Jesus!

É aos corações puros também, que o Senhor oferece mais facilmente a clareza nos discernimentos, essa "perspicácia espiritual" que nos permite reconhecer o que vem de Deus, o que vem do homem ou o que não vem de nenhum dos dois...

É ainda a pureza do coração que dá a sabedoria nas decisões, pois assegura a liberdade de julgamento e a docilidade às inspirações do Espírito. Ela é a simplicidade do olho que permite ao corpo todo mover-se na luz...

É o Espírito do Senhor que nos dá a força de entrar no caminho da renúncia evangélica. É ele quem cria em nós essa pureza de coração que, sem ele, não podemos alcançar...

"Ó Deus, cria em mim um coração puro, renova um espírito firme no meu peito". (Sl 50, 12)

terça-feira, 12 de maio de 2009

Pequeninos aos olhos do Pai

Essa semana estou refletindo um pouco sobre a importância de ser pequeno, de ser criança nos braços do Pai... E decidi que quero ser sempre criança, ainda que morra de velhice... Quando uma criança tropeça e cai, ninguém estranha...; seu pai se apressa a levantá-la. Mas quando quem tropeça e cai é um adulto, o primeiro movimento é de riso... Às vezes, passado esse primeiro ímpeto, o ridículo cede lugar à piedade. Mas os adultos têm que se levantar sozinhos... A nossa experiência cotidiana, em geral, é cheia de tropeços e quedas... Ser criança, aos olhos de Deus, não é ser imaturo ou infantil, mas é fazer a experiência de deixar-se guiar com inteira confiança, sem medos nem duplicidades, de falar com absoluta clareza daquilo que se tem na cabeça e na alma, de se deixar ser filho... ou melhor, filhinho de Deus. Para que, quando tropeçares, te levante a mão de teu Pai-Deus...

A piedade que nasce da filiação divina é uma atitude profunda da alma, que acaba por informar a existência inteira: está presente em todos os pensamentos, em todos os desejos, em todos os afetos. Alguma vez já observou nas famílias, que os filhos, mesmo sem perceberem, imitam seus pais, repetem os seus gestos, os seus costumes, adotam tantas vezes comportamentos idênticos? O mesmo se passa na conduta do bom filho de Deus: consegue-se também - sem que se saiba como nem por que caminho – uma imitação do olhar de Deus, que nos ajuda a focalizar os acontecimentos com o relevo sobrenatural da fé; podemos amar aos homens como o nosso Pai do Céu os ama e - isto é o que mais conta - obter um brio novo no nosso esforço diário por nos aproximarmos do Senhor. Pouco importa as misérias, insisto, porque aí estão os braços amorosos do nosso Pai Celestial para nos levantar...

As grandes quedas, as que causam sérios estragos na alma, e algumas vezes com resultados quase irremediáveis, procedem sempre da soberba de nos julgarmos pessoas crescidas, auto-suficientes... Nesses casos, predomina na pessoa uma espécie de incapacidade para pedir assistência a quem a pode proporcionar: não apenas a Deus, mas também ao amigo, ao sacerdote... E aquela pobre alma, isolada na sua desgraça, afunda-se na desorientação, no descaminho...

Em nossa vida interior, é conveniente sermos como crianças recém-nascidas, como esses pequeninos que parecem de borracha, que até se divertem com os seus tombos, porque logo se põe de pé e continuam com as suas correrias; e porque também não lhes falta, quando necessário, o consolo de seus pais.

Se procurarmos nos comportar como eles, os tropeções e os fracassos na vida interior - aliás, inevitáveis - nunca desembocarão na amargura. Reagiremos com dor, mas sem desânimo e com um sorriso que brota, como água límpida, da alegria da nossa condição de filhos desse Amor, dessa grandeza, dessa sabedoria infinita, dessa misericórdia que é o nosso Pai...

quarta-feira, 29 de abril de 2009

desacertos

No último final de semana, tive uma conversa difícil com um amigo. um bom amigo. Difícil sobretudo para mim, pois fui percebendo um tanto de coisas que fazia em que estava errado, coisas que preciso mudar. É difícil vencer o orgulho que nos rasga por dentro e reconhecer nossos desacertos. Somos relutantes a acolher a pedagogia amorosa que Cristo veio nos ensinar... A compreender que a humildade nasce como fruto de conhecermos a Deus e de conhecermos a nós mesmos...

Por vezes, quando em situações como essa, onde somos repreendidos, nos angustiamos, nos recolhemos, nos sentimos injustiçados, ficamos bravos, estressados, tristes... Essas depressões, porque vês ou porque descobrem os teus defeitos, não têm fundamento... É necessário que peçamos a verdadeira humildade ao Senhor. E que fujamos dessa falsa humildade que se chama comodismo, que se chama autocompadecimento...

São santos os que lutam até o fim da vida: os que sempre sabem levantar-se depois de cada tropeço, de cada queda, para prosseguir valentemente o caminho com humildade, com amor, com esperança. Nossos erros devem nos levar a reconhecer o quão pequenos somos diante da perfeição de Deus... Assim, serão caminho de santidade...

A humildade leva cada alma a não desanimar perante os seus erros. A verdadeira humildade leva... a pedir perdão!

sexta-feira, 10 de abril de 2009

A Cruz que nos faz irmãos

Também nesse ano percorremos o caminho da cruz, a Via-Sacra, voltando a evocar com fé as etapas da paixão de Cristo. Nossos olhos voltaram a contemplar os sofrimentos e a angústia que nosso Redentor teve de suportar na hora da grande dor, que supôs o cume de sua missão terrena. Jesus morre na cruz e jaz no sepulcro. O dia da Sexta-Feira Santa, tão impregnado de tristeza humana e de religioso silêncio, se encerra no silêncio da meditação e da oração. Ao voltar para casa, também nós, como quem assistiu ao sacrifício de Jesus, batemos no peito, evocando o que aconteceu. É possível permanecer indiferentes perante a morte do Senhor, do Filho de Deus? Por nós, por nossa salvação, Ele se fez homem, para poder sofrer e morrer.
Irmãos e irmãs: dirijamos hoje a Cristo nossos olhares, com freqüência distraídos por dissipados e efêmeros interesses terrenos. Detenhamo-nos a contemplar sua cruz. A cruz, manancial de vida e escola de justiça e de paz, é patrimônio universal de perdão e de misericórdia. É prova permanente de um amor oblativo e infinito que levou Deus a fazer-se homem, vulnerável como nós, até morrer crucificado.
Através do caminho doloroso da cruz, os homens de todas as épocas, reconciliados e redimidos pelo sangue de Cristo, se converteram em amigos de Deus, filhos do Pai celestial. "Amigo", assim chama Jesus a Judas e lhe dirige o último e dramático chamado à conversão. "Amigo", chama a cada um de nós, porque é autêntico amigo de todos nós. Infelizmente, nem sempre conseguimos perceber a profundidade deste amor sem fronteiras que Deus tem por nós. Para Ele não há diferença de raça e cultura. Jesus morreu para libertar à antiga humanidade da ignorância de Deus, do círculo de ódio e violência, da escravidão do pecado. A cruz nos torna irmãos e irmãs.
Mas perguntemo-nos, neste momento, o que fizemos com este dom, o que fizemos com a revelação do rosto de Deus em Cristo, com a revelação do amor de Deus que vence o ódio. Tantos, também em nossa época, não conhecem a Deus e não podem encontrá-lo no Cristo crucificado. Tantos estão à busca de um amor ou de uma liberdade que exclui Deus. Tantos acreditam não ter necessidade de Deus.
Queridos amigos: após ter vivido juntos a paixão de Jesus, deixemos que nesta noite seu sacrifício na cruz nos interpele. Permitamos-lhe que ponha em crise nossas certezas humanas. Abramos o coração. Jesus é a verdade que nos faz livres para amar. Não tenhamos medo: ao morrer, o Senhor destruiu o pecado e salvou os pecadores, ou seja, todos nós. O apóstolo Pedro escreve: "sobre o madeiro levou nossos pecados em seu corpo, a fim de que, mortos para nossos pecados, vivêssemos para a justiça" (I Pedro 2, 24). Esta é a verdade da Sexta-Feira Santa: na cruz, o Redentor nos fez filhos adotivos de Deus, que nos criou à sua imagem e semelhança. Permaneçamos, portanto, em adoração ante a cruz.
Cristo, dai-nos a paz que buscamos, a alegria que desejamos, o amor que preenche nosso coração sedento de infinito. Esta é nossa oração nesta noite, Jesus, Filho de Deus, morto por nós na cruz e ressuscitado no terceiro dia. Amém.
Palavras de Bento XVI na Sexta-Feira Santa de 2008

sábado, 4 de abril de 2009

Reflexões sobre a Via Crucis (XIV)

Muito perto do Calvário, num horto, José de Arimatéia tinha mandado talhar para si um sepulcro novo, na rocha. E, por ser véspera da grande Páscoa dos judeus, é lá que põem Jesus. Depois, José rolou uma grande pedra à entrada do sepulcro e retirou-se (Mt 27, 60).

Jesus veio ao mundo sem nada, e sem nada — nem mesmo o lugar onde repousa — foi-se-nos embora. A Mãe do Senhor — minha Mãe — e as mulheres que tinham seguido o Mestre desde a Galiléia, depois de observarem tudo atentamente, vão-se embora também. Cai a noite. Agora tudo passou. Concluiu-se a obra da nossa Redenção. Já somos filhos de Deus, porque Jesus morreu por nós e a sua morte nos resgatou.

Temos de converter em vida nossa a vida e a morte de Cristo. Morrer pela mortificação e pela penitência, para que Cristo viva em nós pelo Amor. E seguir então os passos de Cristo, com ânsias de corredimir todas as almas. Dar a vida pelos outros. Só assim se vive a vida de Jesus Cristo e nos fazemos uma só coisa com Ele.

Nicodemos e José de Arimatéia — discípulos ocultos de Cristo — intercedem por Ele valendo-se dos altos cargos que ocupam. Na hora da soledade, do abandono total e do desprezo..., expõem-se audazmente! (Mc 15,43). Valentia heróica!

Sabei que fostes resgatados da vossa vã conduta... não com prata ou ouro, que são coisas perecíveis, mas pelo sangue precioso de Cristo (I Pe 1, 18-19). Não nos pertencemos. Jesus Cristo comprou-nos com a sua Paixão e com a sua Morte. Somos vida sua. Já só há uma única maneira de vivermos na terra: morrer com Cristo para ressuscitar com Ele, até podermos dizer com o apóstolo: "Não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gal 2, 20).

A Paixão de Jesus é manancial inesgotável de vida. Umas vezes, renovamos o gozoso impulso que levou o Senhor a Jerusalém. Outras, a dor da agonia que concluiu no Calvário... Ou a glória do seu triunfo sobre a morte e o pecado. Mas, sempre!, o amor — gozoso, luminoso, doloroso, glorioso — do Coração de Jesus Cristo. Pense primeiro nos outros. Assim passarás pela terra com erros, sim — que são inevitáveis — , mas deixando um rasto de bem. E quando chegar a hora da morte, que virá inevitável, irá acolhê-la com júbilo, como Cristo, porque, como Ele, também ressuscitaremos para receber o prêmio do seu Amor.

Quando me sinto capaz de todos os horrores e de todos os erros que as pessoas mais ruins cometeram, compreendo bem que não posso ser fiel... Mas essa incerteza é uma das bondades do Amor de Deus, que me leva a estar, como uma criança, agarrado aos braços de meu Pai, lutando cada dia um pouco para não me afastar d'Ele. Fico então com a certeza de que Deus não me largará da sua mão. "Pode a mulher esquecer-se do fruto do seu ventre, não se compadecer do fruto de suas entranhas? Pois ainda que ela se esquecesse, eu não te esquecerei" (Is 49, 15).

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

Reflexões sobre a Via Crucis (XIII)

Submersa em dor, Maria está junto à cruz. E João, com Ela. Mas faz-se tarde, e os judeus insistem que tirem o Senhor dali.

Depois de ter obtido de Pilatos a autorização que a lei romana exige para sepultar os condenados, chega ao Calvário um senador chamado José, homem virtuoso e justo, proveniente de Arimatéia, que não tinha concordado com a decisão dos outros nem com seus atos, e que era dos que esperavam o reino de Deus (Lc 23, 50-51). Acompanha-o Nicodemos — o mesmo que em outra ocasião fora de noite ter com Jesus — , trazendo cerca de cem libras de uma mistura de mirra e aloés (Jo 19, 39).

Não eram conhecidos publicamente como discípulos do Mestre; não tinham presenciado os grandes milagres nem O tinham acompanhado na sua entrada triunfal em Jerusalém. Agora que o momento é mau e os outros fugiram, não têm medo de expor-se pelo seu Senhor. Tomam ambos o corpo de Jesus e o deixam nos braços de sua Santíssima Mãe. Renova-se a dor de Maria.

— Para onde foi o teu Amado, ó mais bela das mulheres? Para onde foi aquele a quem amavas? e nós o buscaremos contigo (Cant 5, 17). A Virgem Santíssima é nossa Mãe, e não queremos nem podemos deixá-La só.

Veio salvar o mundo, e os seus O negaram diante de Pilatos. Ensinou-nos o caminho do bem, e O arrastaram pelo caminho do Calvário. Deu exemplo em tudo, e preferem um ladrão homicida.
Nasceu para perdoar, e — sem motivo — O condenam ao suplício. Chegou por caminhos de paz, e declaram-Lhe a guerra. Era a Luz, e entregam-nO ao poder das trevas. Trazia Amor, e pagam-Lhe com ódio. Fez-se servo para nos libertar do pecado, e O pregam na Cruz. Tomou carne para nos dar a Vida, e nós O recompensamos com a morte.

Não entendo o teu conceito de cristão. Achas que é justo que o Senhor tenha morrido crucificado e tu te conformes com "ir levando"? Por acaso, esse "ir levando" é o caminho áspero e estreito de que falava Jesus? Não admitas o desalento no teu apostolado. Não fracassaste, como Jesus também não fracassou na Cruz. Ânimo!... Continua contra a corrente, protegido pelo Coração Materno e Puríssimo da Senhora: "Tu és o meu refúgio e a minha fortaleza". Tranqüilo. Sereno... Deus tem muito poucos amigos na terra. Não desejes sair deste mundo. Não te esquives ao peso dos dias, ainda que às vezes se nos tornem muito longos.

Se queres ser fiel, seja muito mariano. A nossa Mãe — desde a anúncio do anjo até à sua agonia ao pé da Cruz — não teve outro coração nem outra vida que não a de Jesus. Recorre a Maria com terna devoção de filho, e Ela te alcançará essa lealdade e esse desprendimento que desejas...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Reflexões sobre a Via Crucis (XII)


Todos os que passam por ali O injuriam e fazem troça dEle.

Se é o rei de Israel, que desça agora da cruz (Mt 27, 42).

Um dos ladrões sai em sua defesa:

Este não fez mal algum... (Lc 23, 41).

Depois dirige a Jesus um pedido humilde, cheio de fé:

Senhor, lembra-te de mim quando estiveres no teu reino (Lc 23, 42).

Em verdade te digo que hoje mesmo estarás comigo no Paraíso (Lc 23, 43).

Junto à Cruz está sua Mãe, Maria, com outras santas mulheres. Jesus olha para Ela, e depois olha para o discípulo a quem ama, e diz à sua Mãe:

Mulher, aí tens o teu filho.

Depois diz ao discípulo:

Aí tens a tua mãe (Jo 19, 26-27).

Apagam-se as luminárias do céu, e a terra fica sumida em trevas. São perto das três, quando Jesus exclama:

Eli, Eli, lamma sabachtani? Isto é: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Mt 27, 46).

Depois, sabendo que todas as coisas estão prestes a ser consumadas, para que se cumpra a Escritura, diz:

— Tenho sede (Jo 19, 28).

Os soldados embebem em vinagre uma esponja e, pondo-a numa haste, aproximam de sua boca. Jesus sorve o vinagre e exclama:

Tudo está consumado (Jo 19, 30).

Rasga-se o véu do templo e a terra treme, quando o Senhor clama em voz forte:

— Pai, em tuas mãos encomendo o meu espírito (Lc 23, 46).

E expira.

Ama o sacrifício, que é fonte de vida interior. Ama a Cruz, que é altar do sacrifício. Ama a dor, até beber, como Cristo, o cálice até a última gota.

"E, inclinando a cabeça, rendeu o espírito"(Jo 19,30).

O Senhor exalou o seu último alento. Os discípulos tinham-nO ouvido dizer muitas vezes: "meu alimento é fazer a vontade dAquele que me enviou e cumprir a sua obra" (Jo 4, 34). Assim o fez, até o fim, com paciência, com humildade, sem reservar nada para Si... " obedeceu até à morte, e morte de Cruz!"

Uma Cruz. Um corpo cravado com pregos ao madeiro. O lado aberto... Com Jesus ficam somente sua Mãe, umas mulheres e um adolescente. Os Apóstolos, onde é que estão? E os que foram curados de suas doenças: os coxos, os cegos, os leprosos? E os que O aclamaram?... Ninguém responde! Cristo, rodeado de silêncio. Você também pode sentir algum dia a solidão do Senhor na Cruz. Procura então o apoio dAquele que morreu e ressuscitou. Procura para si abrigo nas chagas de suas mãos, de seus pés, do seu lado aberto. E renovará a sua vontade de recomeçar, e reempreenderá o caminho com maior decisão e vontade de dar passos...

Sempre me comovo quando penso no tal ladrão arrependido: preciso ser ousado como ele - reflito comigo mesmo. Reconheceu que ele, sim, é que merecia aquele castigo atroz... E com uma palavra "roubou" o coração de Cristo e abriu para si as portas do Céu...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

Reflexões sobre a Via Crucis (XI)

Agora crucificam o Senhor, e junto d'Ele dois ladrões, um à direita e outro à esquerda. Entretanto, Jesus diz:

Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem (Lc 23, 34).

Foi o Amor que levou Jesus ao Calvário. E já na Cruz, todos os seus gestos e todas as suas palavras são de amor, de amor sereno e forte.

Juntamente com as marteladas que pregam Jesus, ressoam as palavras proféticas da Escritura Santa: "Trespassaram as minhas mãos e os meus pés. Posso contar todos os meus ossos, e eles me olham e me contemplam" (Sl 21, 17-18).

Já pregaram Jesus ao madeiro. Os algozes executaram impiedosamente a sentença. O Senhor deixou, com mansidão infinita... Não era necessário tanto tormento. Ele podia ter evitado aquelas amarguras, aquelas humilhações, aqueles maus tratos, aquele juízo iníquo, e a vergonha do suplício, e os pregos, e a lança... Mas quis sofrer tudo isso por você e por mim. E nós não havemos de saber corresponder?

É muito possível que nalguma ocasião, a sós com um crucifixo, refletindo sobre a Paixão, lhe venham lágrimas aos olhos. Não te contenhas... Mas procura que esse pranto acabe num propósito. Como são belas as cruzes no cume dos montes, no alto dos grandes monumentos, nas torres das catedrais!... Mas a Cruz, é preciso inseri-la também nas entranhas do mundo. Jesus quer ser levantado ao alto, aí: no ruído das fábricas e dos escritórios, no silêncio das bibliotecas, no barulho das ruas, na quietude dos campos, na intimidade das famílias, nas assembléias, nos estádios... Lá onde um cristão gaste a sua vida honradamente, deve colocar com o seu amor a Cruz de Cristo, que atrai a Si todas as coisas.

Antes de começar a trabalhar, põe junto à sua mesa, ou junto dos utensílios do seu trabalho, um crucifixo. De quando em quando, lança-lhe um olhar... Quando chegar a fadiga, olhe para Jesus, e acharás nova força para prosseguir no teu empenho. Porque esse crucifixo é mais que o retrato de uma pessoa querida: os pais, os filhos, a mulher, a noiva... Ele é tudo: teu Pai, teu Irmão, teu Amigo, o teu Deus e o Amor dos teus amores...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Reflexões sobre a Via Crucis (X)

Quando o Senhor chega ao Calvário, dão-Lhe de beber um pouco de vinho misturado com fel, como um narcótico que diminua em parte a dor da crucifixão. Mas Jesus, tendo-o provado, para agradecer esse piedoso serviço, não quis bebê-lo (cf. Mt 27, 34). Entrega-se à morte com a plena liberdade do Amor. Depois, os soldados despojam Cristo de suas vestes.

"Desde a planta dos pés até o alto da cabeça, não há nele nada são; tudo é uma ferida, inchaços, chagas podres, nem tratadas, nem vendadas, nem suavizadas com óleo" (Is 1, 6).

Os algozes tomam as suas vestes e as dividem em quatro partes. Mas a túnica não tem costura, e por isso dizem:

"— Não a dividamos, mas lancemos sortes para ver de quem será" (Jo 19, 24). Deste modo voltou a cumprir-se a Escritura: "Repartiram entre si as minhas vestes e lançaram sortes sobre a minha túnica" (Sl 21, 19).

É o despojamento, é a pobreza mais absoluta. Nada restou ao Senhor, a não ser um madeiro. Para chegar a Deus, Cristo é o caminho. Mas Cristo está na Cruz; e, para subir à Cruz, é preciso ter o coração livre, desprendido das coisas da terra... Do tribunal ao Calvário, choveram sobre Jesus os insultos da plebe enlouquecida, o rigor dos soldados, as zombarias do Sinédrio... Escárnios e blasfêmias... Nem uma queixa, nem uma palavra de protesto. Nem mesmo quando Lhe arrancaram da pele as vestes. Aqui compreendo a minha insensatez ao desculpar-me. Propósito firme: trabalhar e sofrer pelo meu Senhor, em silêncio.

O corpo chagado de Jesus é verdadeiramente um receptáculo de dores... Por contraste, vem-me à memória tanto comodismo, tanto capricho, tanto desleixo, tanta mesquinhez... e essa falsa compaixão com que trato a minha carne... Senhor! Por tua Paixão e por tua Cruz, dá-me forças para viver a mortificação dos sentidos e arrancar tudo o que me afaste de Ti.

A ti, que te desmoralizas, vou-te repetir uma coisa muito consoladora: a quem faz o que pode, Deus não lhe nega a sua graça. Nosso Senhor é Pai, e, se um filho Lhe diz na quietude de seu coração: "Meu Pai do Céu, aqui estou eu, ajuda-me...", se recorre à Mãe de Deus, que é Mãe nossa, vai para a frente. Mas Deus é exigente. Pede amor de verdade; não quer traidores. É preciso que sejamos fiéis nessa peleja sobrenatural, que é sermos felizes na terra à força de sacrifício. Os verdadeiros obstáculos que nos separam de Cristo — a soberba, a sensualidade, o egoísmo, etc... — superam-se com oração e penitência. E rezar e mortificar-se é também ocupar-se dos outros e esquecer-se de si mesmo. Se vives assim, verás como a maior parte dos contratempos que tens, desaparecem...

Quando lutamos por ser verdadeiramente como Cristo, então o humano se entrelaça com o divino na nossa própria vida. Todos os nossos esforços — mesmo os mais insignificantes — adquirem um alcance eterno, porque se unem ao sacrifício de Jesus na Cruz...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

Reflexões sobre a Via Crucis (IX)

O Senhor cai pela terceira vez, na ladeira do Calvário, quando faltam apenas quarenta ou cinqüenta passos para chegar ao cimo. Jesus não dá conta mais de ficar em pé: faltam-Lhe as forças e, esgotado, cai por terra.

Entregou-se porque quis; maltratado, não abriu a boca, qual cordeiro levado ao matadouro, qual ovelha muda ante os tosquiadores (Is 53, 7).

Todos contra Ele... os da cidade e os forasteiros, e os fariseus e os soldados e os príncipes dos sacerdotes... Sua Mãe — nossa Mãe — , Maria, chora.

Jesus cumpre a Vontade de seu Pai! "amou-me e entregou-se até à morte por mim" (Gal 2, 20).

O Senhor já não pode levantar-se, tão pesado é o fardo da nossa miséria. Levam-nO como peso morto até o suplício. Ele deixa, em silêncio. Humildade de Jesus. Aniquilamento de Deus que nos levanta e exalta. Agora entendo com mais clareza, com menos poesia e mais humanidade a homilia do Padre Wander no último domingo, em que ele dizia que devemos ser como a uva que precisa ser pisada para fazer-se vinho e como o trigo, que precisa ser triturado para fazer-se pão. É preciso por o coração no chão para que os demais pisem macio... Quão custoso é chegar até o Calvário!

É preciso vencer a nós mesmos, para que não abandonemos o caminho... Essa peleja é uma maravilha, uma autêntica prova do amor de Deus, que nos quer fortes, porque, "a virtude se fortalece na fraqueza" (II Cor 12, 9).

O Senhor sabe que, quando nos sentimos fracos, nos aproximamos d'Ele, rezamos melhor, nos mortificamos mais, intensificamos o amor ao próximo. Assim nos fazemos santos. Dê graças a Deus porque Ele permite que haja tentações..., e porque lutas contra elas.

Quer acompanhar Jesus de perto, muito de perto?... Abra o Santo Evangelho e leia a Paixão do Senhor. Mas ler só, não: viver. A diferença é grande. Ler é recordar uma coisa que passou; viver é achar-se presente num acontecimento que está ocorrendo agora mesmo, ser mais um naquelas cenas. Deixa, pois, que teu coração se expanda, que se coloque junto do Senhor. E quando notar que está a escapar — que é covarde, como os outros — , peçamos perdão juntos pelas tuas covardias e pelas minhas...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

terça-feira, 31 de março de 2009

Reflexões sobre a Via Crucis (VIII)

Entre a multidão que contempla a passagem do Senhor, há algumas mulheres que não podem conter a sua compaixão e rompem em lágrimas. Mas o Senhor quer dirigir esse pranto para um motivo mais sobrenatural, e as convida a chorar pelos pecados, que são a causa da Paixão e que hão de atrair o rigor da justiça divina:

Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, mas chorai por vós e pelos vossos filhos... Porque, se assim se trata o lenho verde, que se fará com o seco? (Lc 23, 28-31).

Os teus pecados, os meus, os de todos os homens, põem-se em pé. Todo o mal que fizemos e o bem que deixamos de fazer... O panorama desolador dos delitos e infâmias sem conta, que teríamos cometido se Ele, Jesus, não nos tivesse confortado com a luz do seu olhar...

Jesus responde com um convite ao arrependimento, agora, enquanto a alma está a caminho e ainda há tempo. É preciso unir, é preciso compreender, é preciso desculpar. A Cruz de Cristo é calar-se, perdoar e rezar por uns e por outros, para que todos alcancem a paz.

O Mestre passa, uma vez e outra vez, muito perto de nós. Olha-nos... E se O olhar, se O escutar, se não O repelir, Ele te ensinará o modo de dar sentido sobrenatural a todas as tuas ações... E então também você semeará, onde quer que esteja, consolo, paz e alegria.

Por muito que amemos, nunca amaremos bastante. O coração humano tem um coeficiente de dilatação enorme. Quando ama, alarga-se de tal forma cheio de carinho que ultrapassa todas as barreiras. Se amamos o Senhor, não haverá criatura que não encontre lugar em nosso coração...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

Reflexões sobre a Via Crucis (VII)

Já fora da muralha, o corpo de Jesus volta a abater-se por causa da fraqueza, e cai pela segunda vez, entre a gritaria da multidão e os empurrões dos soldados. A debilidade do corpo e a amargura da alma fizeram com que Jesus caísse de novo. Todos os pecados dos homens — os meus também — pesam sobre a sua Humanidade Santíssima.

"Foi ele que tomou sobre si as nossas enfermidades e carregou com as nossas dores; e nós o reputávamos como um leproso, ferido por Deus e humilhado. Mas por nossas iniqüidades é que foi ferido, por nossos pecados é que foi torturado. O castigo que nos havia de trazer a paz caiu sobre ele, e por suas chagas fomos curados" (Is 53, 4-5).

Jesus desfalece, mas a sua queda nos levanta, a sua morte nos ressuscita. À nossa reincidência no mal, responde Jesus com a sua insistência em redimir-nos, com abundância de perdão. E, para que ninguém desespere, torna a erguer-se, fatigosamente abraçado à Cruz. Que os tropeços e as derrotas já não nos afastem mais d'Ele. Como a criança débil se lança pesarosa nos braços vigorosos de seu pai, nós - eu e você - nos apoiaremos ao jugo de Jesus. Só essa contrição e essa humildade transformarão a nossa fraqueza humana em fortaleza divina

Jesus cai pelo peso de madeiro... Nós, pela atração das coisas da terra. Prefere sucumbir a soltar a Cruz. Assim sara Cristo o desamor que nos derruba.

Sejamos simples, meus caros... Como Teresinha e tantos outros o foram. Abramos o coração. Olha que ainda nada se perdeu. Ainda podemos continuar avante, e com mais amor, com mais carinho, com mais fortaleza.

E se não tem vivido bem, se não tem se sentido feliz, meu irmão a receita está aqui: põe aos ombros uma partezinha dessa cruz, só uma parte pequena. E se nem mesmo assim podes com ela..., deixa-a toda inteira sobre os ombros fortes de Cristo. E repete desde já comigo: Senhor, meu Deus! Em tuas mãos abandono o passado, o presente e o futuro, o pequeno e o grande, o pouco e o muito, o temporal e o eterno. E fica tranqüilo.

Certa vez, li num livro de um santo de nossos tempos, algo que dizia assim: "cheguei a perguntar-me qual o maior martírio: se o de quem recebe a morte pela fé, das mãos dos inimigos de Deus; se o de quem gasta os seus anos trabalhando sem outra mira que a de servir a Igreja e as almas, e envelhece sorrindo, e passa despercebido... Para mim, o martírio sem espetáculo é mais heróico... Esse é o teu caminho".

Para seguir o Senhor, para chegar a um trato íntimo com Ele, temos de espezinhar-nos pela humildade como se pisa a uva no lagar... ou como se tritura o trigo no moinho... Se calcamos aos pés a nossa miséria — que é o que somos — , então Ele se hospeda na alma a seu bel-prazer. Como em Betânia, fala conosco e nós com Ele, em conversação confiada de amigos...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Reflexões sobre a Via Crucis (VI)

"Não há nele parecer nem formosura que atraia os olhares, não há beleza alguma que agrade. Desprezado, qual escória da humanidade, um homem de dores, experimentado em todos os sofrimentos, diante de quem se vira o rosto, foi menosprezado e tido em nada" (Is 53, 2-3).

E é o Filho de Deus que passa, louco... louco de Amor! Uma mulher, de nome Verônica, abre caminho por entre a multidão, levando um véu branco dobrado, com o qual limpa piedosamente o rosto de Jesus. O Senhor deixa gravada a sua Santa Face nas três partes desse véu. O rosto bem-amado de Jesus, que sorrira às crianças e se transfigurara de glória no Tabor, está agora como que oculto pela dor. Mas esta dor é a nossa purificação; esse suor e esse sangue que embaçam e esfumam as suas feições, a nossa limpeza...

Senhor, que eu me decida a arrancar, mediante a penitência, a triste máscara que forjei com as minhas misérias... Então, só então, pelo caminho da contemplação, a minha vida irá copiando fielmente os traços da Tua vida. Iremos assim, aos poucos, parecendo mais e mais Contigo.

Os nossos pecados foram a causa da Paixão: daquela tortura que deformava o semblante amabilíssimo de Jesus, perfeito Deus, perfeito homem. E são também as nossas misérias que agora nos impedem de contemplar o Senhor, e nos apresentam opaca e distorcida a sua figura. Quando temos a vista turva, quando os olhos se obscurecem, precisamos ir à luz. E já dizia Cristo: "Eu sou a luz do mundo"(Jo 8, 12). E acrescenta: "Quem me segue não caminha às escuras, mas terá a luz da vida".

Procisamos buscar o trato íntimo com a Humanidade Santíssima de Jesus... E Ele porá em nossa alma uma fome insaciável, um desejo "disparatado" de contemplar a sua Face. Nessa ânsia — que não é possível aplacar na terra — , acharemos muitas vezes o consolo que buscamos.

Escreve São Pedro: "Por Jesus Cristo, Deus nos deu as grandes e preciosas graças que havia prometido, a fim de vos tornardes participantes da natureza divina" (II Pe 1, 4). Esta nossa divinização não significa que deixamos de ser humanos... Homens, sim, mas com horror ao pecado grave. Homens que abominam as faltas veniais, e que, se experimentam a cada dia a sua fraqueza, sabem também da fortaleza de Deus. Assim, nada poderá nos deter: nem os respeitos humanos, nem as paixões, nem esta carne que se rebela porque somos uns velhacos, nem a soberba, nem... a solidão.

E falando em solidão, um cristão nunca está só. Se te sentes abandonado, meu irmão, é porque talvez não queiras olhar para esse Cristo que passa tão perto..., talvez com a Cruz...

Permaneçamos sempre em ação de graças! Meu Deus, obrigado, obrigado por tudo: pelo que me contraria, pelo que não entendo, pelo que me faz sofrer... Os golpes são necessários para arrancar o que sobra do grande bloco de mármore. Assim Deus esculpe nas almas a imagem de seu Filho. Agradece ao Senhor essas delicadezas! Quando nós, os cristãos, vivemos mal, é porque não damos a esta vida todo o seu sentido divino. Onde a mão sente a picada dos espinhos, os olhos descobrem um ramo de rosas esplêndidas, cheias de aroma...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

Reflexões sobre a Via Crucis (V)

Jesus está exausto. Seus passos tornam-se mais e mais arrastados, e a soldadesca tem pressa em acabar. De modo que, quando saem da cidade pela porta judiciária, requisitam um homem que vinha de uma granja, chamado Simão de Cirene, pai de Alexandre e de Rufo, e forçam-no a levar a cruz de Jesus. No conjunto da Paixão, é bem pouco o que representa esta ajuda. Mas a Jesus basta um sorriso, uma palavra, um gesto, um pouco de amor para derramar copiosamente a sua graça sobre a alma do amigo. Anos mais tarde, os filhos de Simão, já cristãos, serão conhecidos e estimados entre os seus irmãos na fé. Tudo começou por um encontro não esperado com a Cruz...

Às vezes, a Cruz aparece sem a procurarmos: é Cristo que pergunta por nós. E se por acaso, perante essa Cruz inesperada - e talvez por isso mais escura, o coração manifesta repugnância... não lhe dê consolo. E, cheio de uma nobre compaixão, quando o teu coração lhe pedir atenção, diga-lhe baixinho, devagar, como em confidência: "Coração: coração na Cruz, coração na Cruz!".

Queres saber como agradecer ao Senhor o que fez por nós?... Com amor! Não há outro caminho. Amor com amor se paga. Mas a certeza do carinho, é o sacrifício que a dá. Portanto, ânimo! Nega-te e toma a sua Cruz. Então terás a certeza de Lhe devolver amor por Amor. Não é tarde, nem tudo está perdido... Ainda que assim lhe pareça. Ainda que o repitam mil vozes negativas. Ainda que te assediem olhares de zombaria de incredulidade... Chegaste num bom momento para carregar a Cruz: a Redenção está-se fazendo — agora! — , e Jesus necessita de muitos cireneus...

Para ver feliz a pessoa que ama, um coração nobre não vacila ante o sacrifício. Para aliviar um rosto sofrido, uma alma grande vence a repugnância e dá-se sem nojos... É necessário que aprendamos a mortificar nossos caprichos. Aceitar a contrariedade sem exagerá-la, sem espantos, sem... histerismos. E assim tornaremos mais ligeira a Cruz de Jesus.

Hoje entrou a salvação nesta casa, pois também este é filho de Abraão. Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que tinha perecido (Lc 19, 9-10).

Zaqueu, Simão de Cirene, Dimas, o centurião... Agora já sabemos porque o Senhor nos procurou. Agradeça-o!... Com obras e com verdadeiro amor. Mas, como amar verdadeiramente a Cruz Santa de Jesus?? Desejando-a!... Ahh, Senhor, dá-nos forças para implantá-la em todos os corações, e a todo o comprimento e a toda a largura deste mundo! E na sequência, amá-Lo com alegria, com o palpitar de todos os corações que ainda não O amam...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

Reflexões sobre a Via Crucis (IV)

Acabava Jesus de se levantar da primeira queda, quando encontra sua Mãe Santíssima, junto do caminho por onde Ele passa.

Com imenso amor, Maria olha para Jesus, e Jesus olha para sua Mãe; os olhos de ambos se encontram, e cada coração derrama no outro a sua própria dor. A alma de Maria fica submersa em amargura, na amargura de Jesus Cristo. Mas ninguém percebe, ninguém repara; só Jesus. Neste momento, cumpriu-se a profecia de Simeão: Uma espada trespassará a tua alma (Lc 2, 35)

Na obscura solidão da Paixão, Nossa Senhora oferece a seu Filho um bálsamo de ternura, de união, de fidelidade; um sim à Vontade divina. Levados pela mão de Maria, somos convidados também a consolar Jesus, aceitando sempre e em tudo a Vontade de seu Pai, do nosso Pai. Só assim experimentaremos a doçura da Cruz de Cristo, e a abraçaremos com a força do Amor, levando-a em triunfo por todos os caminhos da terra. Ahhh, minha Mãe e Senhora, ensina-me a pronunciar um sim que, como o teu, se identifique com o clamor de Jesus perante seu Pai: "não se faça a minha vontade, mas a de Deus" (Lc 22, 42).

Quanta miséria! Quantas ofensas! As minhas, as tuas, as da humanidade inteira... Nasci, como todos os homens, manchado com a culpa dos nossos primeiros pais. Depois... os meus pecados pessoais: rebeldias pensadas, desejadas, cometidas... Para nos purificar dessa podridão, Jesus quis humilhar-se e tomar a forma de servo, encarnando-se nas entranhas sem mácula de Nossa Senhora, sua Mãe, nossa Mãe. Passou trinta anos de obscuridade, trabalhando como outro qualquer, junto de José. Pregou. Fez milagres... E nós Lhe pagamos com uma Cruz.

Que motivos mais ainda precisamos para a contrição de nosso coração?

Jesus esperou por esse encontro com sua Mãe. Quantas recordações de infância! Belém, o longínquo Egito, a aldeia de Nazaré. Agora também a quer junto de Si, no Calvário. E nós também precisamos d'Ela!... Na escuridão da noite, quando uma criancinha tem medo, grita: Mamãe! Assim tenho eu de clamar muitas vezes com o coração: Mãe! Mamãe! Não me largues!

Até chegarmos ao abandono, há um pouquinho de caminho a percorrer... Se ainda não conseguimos, não nos angustiemos: continuemos a nos esforçar. Chegará o dia em que não veremos outro caminho senão Ele — Jesus — , sua Mãe Santíssima, e os meios sobrenaturais que o Mestre nos deixou...

Se formos almas de fé, daremos aos acontecimentos desta terra uma importância muito relativa, como a deram os santos... O Senhor e sua Mãe não nos abandonam e, sempre que for necessário, se farão presentes para encher de paz e de segurança o coração dos seus...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

domingo, 29 de março de 2009

Reflexões sobre a Via Crucis (III)

A Cruz fere, desfaz com o seu peso os ombros do Senhor.
A multidão foi-se agigantando. Os legionários mal podem conter a multidão encrespada e enfurecida que, como rio fora do leito, aflui pelas vielas de Jerusalém.
O corpo exausto de Jesus cambaleia já sob a Cruz enorme. De seu Coração amorosíssimo mal chega um alento de vida aos membros chagados.

À direita e à esquerda, o Senhor vê essa multidão que anda como rebanho sem pastor. Poderia chamá-los um por um, pelos seus nomes, pelos nossos nomes. Ali estão os que se alimentaram na multiplicação dos pães e dos peixes, os que foram curados de suas doenças, os que Ele ensinou, junto do lago e na montanha e nos portões do Templo.

Uma dor aguda penetra na alma de Jesus, e o Senhor desaba debilitado.

E nós não podemos dizer nada: agora já sabemos porque pesa tanto a Cruz de Jesus. E choramos as nossas misérias e também a tremenda ingratidão do coração humano. Nasce do fundo da alma um ato de contrição verdadeira, que nos tira da prostração do pecado. Jesus caiu para que nós nos levantássemos: uma vez e sempre. Enquanto há luta, luta ascética, há vida interior. Isso é o que nos pede o Senhor: a vontade de querer amá-Lo com obras, nas coisas pequenas de cada dia. Se venceste no que é pequeno, vencerás no que é grande.

Quantos, com a soberba e a imaginação, se metem nuns calvários que não são de Cristo! A Cruz que deves levar é divina. Não queira levar nenhuma humana. Se alguma vez cair nesse laço, corrija-se imediatamente: basta-te pensar que Ele sofreu infinitamente mais por amor de nós...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

Reflexões sobre a Via Crucis (II)

Jesus entrega-se sem se defender à execução da sentença. Não Lhe hão de poupar nada, e sobre os seus ombros cai o peso da cruz infamante. Mas a Cruz será, por obra do amor, o trono da sua realeza.

O povo de Jerusalém e os forasteiros vindos para a Páscoa acotovelam-se pelas ruas da cidade, para ver passar Jesus Nazareno, o Rei dos judeus. Há um tumulto de vozes; e, de tempos em tempos, curtos silêncios, talvez, quando Cristo fixa os olhos neste ou naquele:

— Se alguém quiser vir após mim, tome a sua cruz de cada dia e siga-me...

Com que amor se abraça Jesus com o lenho que Lhe há de dar a morte!

É verdadeiramente suave e amável a Cruz de Jesus. Não contam aí as penas; só a alegria de nos sabermos co-redentores com Ele.

A comitiva prepara-se... Jesus, escarnecido, é alvo das zombarias de todos os que o rodeiam. Ele, que passou pelo mundo fazendo o bem e sarando as doenças a todos... A Ele, ao Bom Pastor, a Jesus, que veio ao encontro dos que estavam longe, vão levá-Lo ao suplício.
Como se fosse para uma festa, prepararam um cortejo, uma longa procissão. Os juízes querem saborear a sua vitória com um suplício lento e desapiedado.

Jesus não encontrará a morte num abrir e fechar de olhos... Lhe é dado algum tempo para que a dor e o amor continuem a identificar-se com a Vontade amabilíssima do Pai. "O que me apraz, meu Deus, é cumprir a tua Vontade, e a tua lei está dentro do meu coração".

Quanto mais formos de Cristo, maior graça teremos para a nossa vida na terra e para a felicidade eterna. Mas teremos de decidir a seguir o caminho da entrega: a Cruz às costas, com um sorriso nos lábios, com uma luz na alma.

E se ouvimos dentro de nós: "Como pesa esse jugo que tomaste livremente!" É a voz do demônio, o fardo... de nossa própria soberba.

Peçamos ao Senhor humildade, para compreendermos com profundidade aquelas palavras de Jesus: "Pois meu jugo é suave e minha carga é leve" (Mt 11,30), que gosto de traduzir livremente assim: meu jugo é a liberdade, meu jugo é o amor, meu jugo é a unidade, meu jugo é a vida...

Há uma espécie de rejeição, uma espécie de medo à Cruz, à Cruz do Senhor. Passamos a chamar cruzes a todas as coisas desagradáveis que acontecem na vida e, muitas vezes, não sabemos levá-las com sentido de filhos de Deus, com visão sobrenatural. Na Paixão, a Cruz deixou de ser símbolo de castigo para converter-se em sinal de vitória. A Cruz é o emblema do Redentor: ali está a nossa saúde, a nossa vida e a nossa ressurreição.

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

sábado, 28 de março de 2009

Reflexões sobre a Via Crucis (I)

Passa das dez da manhã. O processo está chegando ao fim. Não houve provas concludentes. O juiz sabe que os seus inimigos O entregaram por inveja, e tenta um expediente absurdo: a escolha entre Barrabás, um malfeitor acusado de roubo com homicídio, e Jesus, que se diz o Cristo. O povo escolhe Barrabás. Pilatos exclama:

— Que hei de fazer, pois, de Jesus?

Respondem todos: — Crucifica-o!
O juiz insiste: — Mas que mal fez ele?
E de novo respondem, aos gritos: — Crucifica-o! Crucifica-o!

Assusta-se Pilatos ante o tumulto crescente. Manda trazer água e lava as mãos à vista do povo, enquanto diz:

Sou inocente do sangue deste justo; é lá convosco...

E depois de ter mandado açoitar Jesus, entrega-O para que O crucifiquem. Faz-se silêncio naquelas gargantas embravecidas e possessas. Como se Deus já estivesse derrotado.

Jesus está só. Vão longe os dias em que a palavra do Homem-Deus punha luz e esperança nos corações, as longas procissões de doentes que eram curados, os clamores triunfais de Jerusalém à chegada do Senhor, montado num manso jumentinho. Se os homens tivessem querido dar outro curso ao amor de Deus! Se você e eu tivéssemos conhecido o dia do Senhor!

Jesus ora no horto: Abba, Pai! Deus é meu Pai, ainda que me envie sofrimento. Ama-me com ternura, mesmo que me fira. Jesus sofre, para cumprir a Vontade do Pai... E eu, que quero também cumprir a Santíssima Vontade de Deus, seguindo os passos do Mestre, poderei queixar-me se encontro por companheiro de caminho o sofrimento? Será esse um sinal certo da minha filiação, porque Deus me trata como ao seu Divino Filho. E então, como Ele, poderei gemer e chorar a sós no meu Getsêmani; mas, prostrado por terra, reconhecendo o meu nada, subirá até o Senhor um grito saído do íntimo de minha alma: Abba, Pater..., fiat! Faça-se!

A prisão de Jesus: É chegada a hora; eis que o Filho do homem vai ser entregue às mãos dos pecadores. Quer dizer que... o homem tem a sua hora? Tem, sim... E Deus, a sua eternidade!
Algemas de Jesus! Algemas — que Ele voluntariamente deixou que Lhe pusessem — , atai-me, fazei-me sofrer com o meu Senhor, para que este corpo de morte se humilhe... Porque — não há meio termo — ou o aniquilo ou torno-me vil. Mais vale ser escravo do meu Deus que escravo da minha carne.

Durante o processo, o Senhor cala-se. Depois, responde às perguntas de Caifás e de Pilatos... Com Herodes, volúvel e impuro, nem uma palavra: tanto deprava o pecado de luxúria, que não escuta nem a voz do Salvador. Se em tantos ambientes resistem à verdade, cala-te e reza, mortifica-te... e espera. Também nas almas que parecem mais perdidas resta, até o fim, a capacidade de voltar e amar a Deus.

Está para se pronunciar a sentença. Pilatos zomba: eis o vosso rei! Os pontífices respondem enfurecidos: Não temos outro rei senão César!
Senhor! Onde estão os teus amigos? Onde os teus súditos? Deixaram-Te. É uma debandada que dura há vinte séculos... Fugimos todos da Cruz, da tua Santa Cruz. Sangue, angústia, solidão e uma insaciável fome de almas... são o cortejo da tua realeza.

Eis o homem! Estremece o coração ao contemplar a Santíssima Humanidade do Senhor feita uma chaga. E então hão de perguntar-lhe: que feridas são essas que trazes em tuas mãos? E ele responderá: São feridas que recebi na casa dos que me amam (Zac 13,6).

Neste primeiro momento da Via Dolorosa, eu lhe convido a olhar para Jesus. Cada rasgão é uma censura; cada açoite, um motivo de dor pelas tuas ofensas e pelas minhas...

Adaptado do livro "Via Crucis", São Josemaría Escrivá.

Considerações maternas e marianas

Tenho meditado em como contrasta a esperança de Maria com a nossa impaciência! Com freqüência reclamamos de Deus que nos pague imediatamente o pouco bem que praticamos... Mal aflora a primeira dificuldade, queixamo-nos... rs Somos muitas vezes incapazes de perseverar no esforço, de manter a esperança! Porque nos falta fé. "Bem-aventurada tu, que creste, porque se cumprirão as coisas que te foram ditas da parte do Senhor".

Maria é mestra de caridade. Hoje, pensava no momento da apresentação de Jesus no templo. "O ancião Simeão asseverou a Maria, sua Mãe: Eis que este Menino está posto para ruína e para ressurreição de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição. E uma espada trespassará a tua alma, a fim de se descobrirem os pensamentos escondidos de muitos corações". Vejo como a imensa caridade de Maria pela humanidade faz com que também n'Ela se cumpra a afirmação de Cristo: "Ninguém tem maior amor que aquele que dá a vida pelos seus amigos"

Os filhos, especialmente quando ainda são pequenos, tendem a interrogar-se sobre o que os pais farão por eles, esquecendo, porém, as suas obrigações de piedade filial. Geralmente, nós, os filhos, somos muito interesseiros, embora essa conduta não pareça ter muita importância para as mães, porque têm suficiente amor no coração e amam com o melhor carinho: aquele que se dá sem esperar correspondência... O mesmo se passa com Maria. Hão de doer-nos, se as encontrarmos, as nossas faltas de delicadeza para com esta Mãe tão amável. Eu pergunto, e me pergunto: como é que a honramos?

Voltemos, por um instante, nosso olhar para a experiência de cada dia, ao relacionamento com as nossas mães da terra. Acima de tudo, o que é que elas desejam para os seus filhos, que são carne da sua carne e sangue do seu sangue? O seu maior sonho é tê-los perto de si. Quando os filhos crescem e não é possível continuarem a seu lado, esperam com impaciência as suas notícias, emociona-as tudo o que se passa com eles: desde uma ligeira doença até os eventos mais importantes...

Sob o olhar de nossa mãe Maria, jamais deixamos de ser pequenos, porque Ela nos abre o caminho para o Reino dos Céus, que será dado aos que se fazem crianças. Dela não devemos separar-nos nunca! Como a honraremos? Procurando estar com Ela, falando-lhe, manifestando-lhe o nosso carinho, ponderando no coração as cenas da sua vida na terra, contando-lhe as nossas lutas, os nossos êxitos e os nossos fracassos...

Diante disso que coloco, tenho refletido quanto a minha disposição interior... Sobre até que ponto tenho mantido imutável e firme a minha opção pela Vida... Coloco para você, querido leitor: Quando ouve essa voz de Deus, amabilíssima, que te estimula à santidade, você tem respondido livremente que sim? Pensemos em Jesus, quando falava às multidões pelas cidades e campos da Palestina. Não pretende impor-se. Se queres ser perfeito..., diz Ele ao jovem rico. Aquele rapaz rejeitou a insinuação, e conta-nos o Evangelho que se retirou entristecido. Ele perdeu a alegria porque se negou a entregar a sua liberdade a Deus. Consideremos agora o momento sublime em que o Arcanjo São Gabriel anuncia a Santa Maria o desígnio do Altíssimo. A nossa Mãe escuta, e a seguir pergunta, para compreender melhor o que o Senhor lhe pede; depois vem a resposta firme: "faça-se em mim segundo a tua palavra!". Esse é o fruto da verdadeira liberdade: a de decidir-se por Deus...

terça-feira, 24 de março de 2009

liberdade no abandono


Hoje gostaria de começar refletindo sobre a parábola dos talentos... O servo que recebeu um talento podia - como os seus companheiros - empregá-lo bem, tratar de fazê-lo render, pondo em jogo as qualidades que possuía. E o que é que decide? Preocupa-o o medo de perdê-lo. Muito bem. Mas depois? Enterra-o! E aquilo não dá fruto...

Não esqueçamos este caso de temor doentio de aproveitar honradamente a capacidade de trabalho, a inteligência, a vontade, o homem todo. Eu o enterro - parece afirmar este infeliz -, mas a minha liberdade fica a salvo! Não. A liberdade inclinou-se para algo de muito concreto, para a secura mais pobre e árida. Tomou partido, porque não tinha outro remédio senão escolher. Mas escolheu mal.

Nada mais falso do que opor a liberdade à entrega de si, porque essa entrega, esse abandono, surge como conseqüência da liberdade. Reparemos: quando uma mãe ou um pai se sacrifica por amor de seus filhos, fez uma opção; e, conforme for a medida desse amor, assim se manifestará a sua liberdade. Se esse amor for grande, a liberdade se mostrará fecunda, e o bem dos filhos procederá dessa bendita liberdade, que pressupõe entrega, e procederá dessa bendita entrega, que é precisamente liberdade.

Mas, quando conseguimos o que amamos com toda a alma, não mais continuamos a procurar. Desapareceu a liberdade? Asseguro-lhes que então é mais operativa do que nunca, pois o amor não se contenta com um cumprimento rotineiro nem se compagina com o fastio ou com a apatia. Amar significa recomeçar a servir todos os dias, com obras de carinho.

A liberdade e a entrega de si não se contradizem; apóiam-se mutuamente. A liberdade só pode ser entregue por amor; outro gênero de desprendimento, eu não saberia considerar. Não é um jogo de palavras, mais ou menos acertado. Na entrega voluntária, em cada instante dessa dedicação, a liberdade renova o amor, e renovar-se é ser continuamente jovem, generoso, capaz de grandes ideais e de grandes sacrifícios...

quinta-feira, 12 de março de 2009

Reflexões Quaresmais (II)

Consideremos de novo, nesta Quaresma, que o cristão não pode ser superficial. Plenamente mergulhado no seu trabalho diário entre os demais homens, seus iguais, atarefado, ocupado, em tensão, o cristão tem que estar ao mesmo tempo totalmente mergulhado em Deus, porque é filho de Deus.

A filiação divina é uma verdade feliz, um mistério consolador. A filiação divina encharca toda a nossa vida espiritual, porque nos ensina a procurar, conhecer e amar o nosso Pai do Céu, e assim cumula de esperança a nossa luta interior e nos dá a simplicidade confiante dos filhos pequenos. Mais ainda: precisamente porque somos filhos de Deus, esta realidade leva-nos também a contemplar com amor e com admiração todas as coisas que saíram das mãos de Deus Pai Criador. E deste modo somos contemplativos no meio do mundo, amando o mundo.


Chegada a plenitude dos tempos, Deus Pai enviou ao mundo seu Filho Unigênito para que restabelecesse a paz; para que, redimindo o homem do pecado, fôssemos constituídos filhos de Deus, libertados do jugo do pecado, habilitados a participar na intimidade divina da Trindade. E assim se tornou possível que este homem novo, esta nova enxertia dos filhos de Deus, libertasse toda a criação da desordem, restaurando todas as coisas em Cristo, que nos reconciliou com Deus.
Tempo de penitência, portanto. Mas, como vimos, não é uma tarefa negativa. A Quaresma deve ser vivida com o espírito de filiação que Cristo nos comunicou e que palpita em nossa alma. O Senhor chama-nos para que nos aproximemos d'Ele, a sermos imitadores de Deus, como filhos muito queridos, colaborando humildemente, mas fervorosamente, com o divino propósito de unir o que se quebrou, de salvar o que se perdeu, de ordenar o que o homem pecador desordenou, de reconduzir o que se extraviou, de restabelecer a divina concórdia em toda a criação.

quarta-feira, 11 de março de 2009

muito humanos, muito divinos...

Se aceitamos a nossa responsabilidade de filhos de Deus, devemos ter em conta que Ele nos quer muito humanos. Que a cabeça toque o céu, mas os pés assentem com toda a firmeza na terra. O preço de vivermos cristãmente não é nem deixarmos de ser homens nem abdicarmos do esforço por adquirir essas virtudes que alguns têm, mesmo sem conhecerem Cristo. O preço de cada cristão é o Sangue redentor de Nosso Senhor, que nos quer - insisto - muito humanos e muito divinos, diariamente empenhados em imitá-lo, pois Ele é perfeito Deus, perfeito homem.

Não saberia determinar qual é a principal virtude humana; depende do ponto de vista de que se parta. Além disso, a questão revela-se ociosa, porque não se trata de praticar uma ou várias virtudes. É preciso lutar por adquiri-las e praticá-las todas. Cada uma se entrelaça com as outras e, assim, o esforço por sermos sinceros, por exemplo, nos torna justos, alegres, prudentes, serenos.


Ao mesmo tempo, precisamos considerar que a decisão e a responsabilidade residem na liberdade pessoal de cada um, e por isso as virtudes são também radicalmente pessoais,
da pessoa. Todavia, nessa batalha de amor, ninguém luta sozinho - ninguém é um verso solto, costumo dizer. De algum modo, ou nos ajudamos ou nos prejudicamos. Todos somos elos de uma mesma cadeia. É decisão pessoal ser o elo que rompe ou o que une.

terça-feira, 10 de março de 2009

mutuamente

Jesus Cristo, que veio salvar todos os homens e deseja associar os cristãos à sua obra redentora, quis ensinar aos seus discípulos - a nós - uma caridade grande, sincera, mais nobre e valiosa: devemos amar-nos mutuamente como Cristo ama a cada um de nós. Só dessa maneira, imitando - dentro da nossa rudeza pessoal - os modos divinos, conseguiremos abrir o nosso coração a todos os homens, amar de um modo mais alto, inteiramente novo.

Tertuliano, um escritor do século II, transmitiu-nos o comentário que os pagãos faziam ao contemplarem, comovidos, a conduta dos fiéis de então, tão cheia de atrativo sobrenatural e humano: "Vede como se amam", repetiam.

O principal apostolado que nós cristãos, temos que realizar no mundo, o melhor testemunho de fé, é contribuir para que dentro da Igreja se respire o clima da autêntica caridade. Quando não nos amamos de verdade, quando há ataques, calúnias e rixas, quem se sentirá atraído pelos que se apresentam como mensageiros da Boa Nova do Evangelho?

sexta-feira, 6 de março de 2009

simples

Vida interior, em primeiro lugar. Como são poucos os que a entendem! Ao ouvirem falar de vida interior, pensam logo na quietude do interior de uma igreja, quando não no ambiente rarefeito de certas sacristias. Penso na vida interior de um simples cristão, que habitualmente se encontra em plena rua, ao ar livre; e que na rua, no trabalho, na família e nos momentos de lazer permanece atento a Jesus o dia todo. E o que é isso senão vida de oração contínua?

A princípio custa... é preciso esforçar-se por dirigir o olhar para o Senhor, por agradecer a sua piedade paternal e concreta para conosco. Pouco a pouco, o amor de Deus - embora não seja coisa de sentimentos - torna-se tão palpável como uma flechada na alma. É Cristo que nos persegue amorosamente: "Eis que estou à tua porta e bato" (Ap 3,20).
A oração se torna contínua, como o palpitar do coração, como o pulso... Sem essa presença de Deus, não há vida contemplativa; e, sem vida contemplativa, de pouco vale trabalhar por Cristo, porque, se Deus não edifica a casa, em vão trabalham os que a constróem...


A vida de oração e de penitência, e a consideração da nossa filiação divina, nos transformam em cristãos piedosos, como crianças diante de Deus. A piedade é a virtude dos filhos, e, para que o filho possa confiar-se aos braços de seu pai, deve ser e sentir-se pequeno, necessitado. Tenho meditado com freqüência nessa vida de infância espiritual, que não se opõe à fortaleza porque exige uma vontade enérgica, uma maturidade temperada, um caráter firme e aberto.
Tudo pode se tornar oração, tudo pode e deve levar-nos a Deus, alimentar esse convívio contínuo com Ele, da manhã até à noite. Todo o trabalho honrado pode ser oração; e todo o trabalho que for oração, é apostolado. Desse modo, a alma se enrijece numa unidade de vida simples e forte.